Carles: Normalmente, na
hora do meu almoço vejo um programa da TV daqui, Deportes Cuatro.
Apresentadores simpáticos, grande audiência, mas que pouco a pouco
transformou-se num espaço publicitário, chegando ao ponto de dedicar a maior
parte do tempo às ações promocionais das estrelas, sobre tudo Cristiano
(inclusive os bastidores das filmagens). Nesta semana, o cúmulo foi levar ao ar
"um dia normal na vida de Jorge Mendes”, o superagente luso. Press release
descarado. Deu nojo. Como anda minha querida imprensa esportiva auriverde às
portas de grandes eventos esportivos?
Edu: Sou suspeito para analisar porque
me desiludi faz tempo. Mas, para ser econômico, e não generalizando, uso poucas
palavras sobre a imprensa esportiva: nada isenta com o que é de seu interesse e
incendiária quando lhe convém.
Carles: Por aqui,
insisto no personagem José Ramón de la Morena, a voz mais ouvida do rádio
esportivo espanhol, de quem já falamos outro dia. Começou como dissidente do
programa do José Maria Garcia e de ex-colaborador passou a detrator, adversário
ideológico do discurso rançoso de Garcia, este alinhado com os regimes mais
autoritários. Hoje, não consegue manter-se neutro quando fala de esportistas
fora do eixo de Madrid. Juraria que ouço ele ranger os dentes quando
menciona esportistas ou dirigentes das zonas catalã e basca,
principalmente aqueles que defendem ideias de autodeterminação. Você com a sua
maior experiência desde dentro dos meios, pode me esclarecer ou augurar certa
esperança?
Edu: Huummmm, o cheiro é parecido com
alguns que se julgam primadonas da imprensa esportiva por aqui. E não são
poucos. A vantagem é que a internet, as redes sociais e outros meios
pulverizaram tanto essas personalidades distorcidas que, agora, elas falam
apenas para suas turminhas, temos como cotejar ideologias. Não há mais
monopólio como antes e há muitas formas de seu buscar opiniões diferentes. Eles
vivem de cruzadas pessoais e levam a cambada que faz claque junto nessa
empreitada.
Carles: Que bom que
existe esperança, pelo menos em um novo meio, apesar de que, muitas vezes, os
grandes meios, como formadores de opinião, acabam transformando-se num modelo
demasiado influente inclusive para as vozes da internet. Sinto que esses
mecanismos funcionam forjando a opinião dos mais incautos (de repente, todos
querem a cabeça de um político não porque ele foi um sem vergonha a vida toda,
mas por haver perdido o apoio dos grandes grupos de comunicação) enquanto entre
os mais críticos acabam criando um sistema de detecção tão afinado que viram
incrédulos compulsivos e enxergam conspiração mesmo onde não existe. É claro
que o problema não é só de emissão, mas de falta de um desenvolvimento crítico
do lado de cá. Não existe uma responsabilidade, um código de ética que
prevaleça sobre os interesses dos grandes grupos?
Edu: A trajetória das campanhas
supostamente de moralização no esporte - como na política - está forrada de
episódios assim. Depende do jogo de interesses, depende dos interesses de quem
denuncia, depende das relações pessoais de interessados e não interessados. No
fim, nada é transparente e quem tem a obrigação de ser isento também dá suas
escorregadas - e se tornam cúmplices. Às vezes involuntariamente, às vezes não.
O público percebe algumas coisas, mas separar o que presta do que não preta é
tarefa para um arqueólogo. Diria até que este meio pelo qual trocamos estas
ideias também entrou na roda. Em troca de um punhado de acessos, que podem
significar a diferença entre estar ou não empregado, o sujeito escreve qualquer
coisa, defende qualquer tese. Não pondera, não cita fontes, não disfarça seus
interesses.
Carles: Então, quanto à
esperança, justinho, justinho, não? O blog independente, se é a provável base
de uma futura reestruturação informativa, passa pela necessidade de recursos
tecnológicos nem tão populares e por isso, por enquanto, é elitista. A velha
discussão de se o meio digital é inclusivo ou excludente. Fico pensando se a
informação plural é direito de poucos ainda. E, entre esses poucos, boa parte
talvez nem tenha interesse em que seja realmente plural.
Edu: A esperança que você pode
alimentar é que há sempre gente boa e competente em qualquer círculo. Sempre
haverá. Esses nunca desistirão e vão segurando a onda, enquanto os canibais dividem
as presas. Só digo que o bom mesmo é não ter chefe, né Carlão?
Carles: Descobri isso
faz tempo.
Um comentário:
Eu gostaria de ratificar a opinião de alguém que adotou desde pequeno o futebol, praticou, aprendeu a matéria, tem amigos que chegaram ao profissionalismo, mas assim como o Edu, desiludiu-se com o cenário teatral movido a show bizz, em detrimento do espírito esportivo. O profissionalismo é importante, mas o excesso torna tudo muito artificial e materialista, a ponto de termos de engolir jogadores que, há 20 anos, sequer seriam qualificados como profissionais. São meros super-atletas, que em vez de jogar, simplesmente não deixam ninguém jogar.
Em relação à imprensa especializada, piora cada vez mais. As boas exceções são raras (que depois poderei citar). Os fóruns jornalísticos mais parecem conversas de boteco e cara cheia. É notória cegueira jornalística em relação às jogadas. Para esses pseudo analistas todos os goals são decorrentes de falhas de defesa. A não ser em bolas paradas, raramente conseguem visualizar e informar o torcedor comum sobre o mérito da jogada treinada. Não vêem quando seria impossível à defesa evitar o gol se todos os passes tiverem sido executados corretamente, conforme o treino.
A maioria dos comentaristas de mesas de debate discutem somente estatísticas, transações e corrupção. E tudo isso forrado a um invasivo merchadising exagerado.
Por essas razões, se ainda há gente que curte o esporte como essência, respeita todos os times, reconhece o valor do adversário e assiste a jogos de qualquer time, vocês farão muito sucesso na web.
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