Carles: Frequentemente você pede que eu seja isento ao
falar d e Real Madrid e Barça. Hoje quem vai pedir sou eu. Explique-me o que
realmente acontece com o Palmeiras.
Edu: A situação é muito clara, não é
uma análise pessoal. O clube tem problemas financeiros graves, tem uma
estrutura política complicada, bem à moda dos antigos modelos dos clubes
brasileiros, e uma imensa e exigente torcida que perdeu a paciência faz tempo.
É problema de gestão? É falta de resultados? Também é. Mas não é novidade por
aqui e muitos clubes saíram de situações delicadíssimas depois de baterem no
fundo do poço. Os casos mais graves e recentes foram de Corinthians e
Fluminense, que hoje são os dois grandes campeões no país. Portanto, tem jeito.
Carles: Fico pensando se seguem
pagando as consequências do contrato nefasto com a Parmalat ou se, em função
das origens ligadas a um bairro tradicional que mudou seu perfil, existe uma
dificuldade em encontrar a verdadeira identidade.
Edu: Pois é, essa é uma tentação na qual
a gente corre o risco de cair, culpar as interferências externas. Só que o
sistema de cogestão com o Palmeiras foi, na verdade, um dos poucos cases de
sucesso da Parmalat em seus acordos com clubes de futebol. Deu bons resultados
no campo e razoável retorno comercial. O que a Parmalat fez em outros lugares é
que foi nefasto em matéria de gestão, inclusive em seu próprio feudo. Quando a
empresa afundou, no início da década de 2000, teve que fazer um leilão dos
jogadores do Parma. E a família Tanzi, proprietária, foi parar na cadeia. Mas o
Palmeiras, que encerrou seu acordo com a empresa em 2000, saiu ileso. O
torcedor até hoje tem saudade daqueles tempos.
Carles: Está claro que, enquanto
vigorava o acordo de cogestão, os resultados esportivos foram os melhores. Mas
sem querer insistir no tema, existe a possibilidade de que o processo de
desligamento tenha sido parecido ao da saída do conforto da casa dos pais para
tentar a vida sozinho?
Edu: Aí já é possível que sim, o que
deixa claro o problema de gestão do próprio Palmeiras. O envolvimento de várias
correntes políticas pulverizou os controles de poder no clube de tal forma que
virou uma guerra sem tréguas, cuja maior vítima foi o time de futebol. E a
torcida também, claro. É bom lembrar que, em uma década, o time caiu duas vezes
para a Série B.
Carles: Eis o motivo da minha
reflexão. Cair duas vezes deixa de ser circunstancial para ser sintomático. E a
questão da identidade cultural? Ou melhor, a procura de uma identidade que
eventualmente se perdeu entre os antepassados do bairro fabril de Pompéia e
adjacências (Água Branca, Perdizes). Uma das situações empresarias mais
recorrentes é a falta do autoconhecimento e daí as dificuldades em identificar
objetivos e antídotos para os próprios problemas. Em resumo, uma barreira para
a inovação e renovação.
Edu: Exato. Digamos que esse tipo de
reflexão é essencial para se começar de novo, embora eu não veja claramente um
problema grave de identidade cultural externo, por parte dos torcedores. O que
há é um conflito sério interno. E não existe situação mais propícia para propor
inovação do que quando se chega ao fundo do poço. Para citar o exemplo do maior
inimigo do Palmeiras, quando caiu para a Série B o Corinthians tinha uma dívida
muito maior da que o rival tem hoje, era um time bem pior e uma diretoria que
era caso de polícia. A queda, a depressão, a desilusão da torcida serviram como
um ponto de inflexão para que tudo fosse mudado, exatamente tudo. E o time
ressurgiu porque priorizou coisas básicas a partir do zero. Por exemplo: a
primeira missão era ganhar a Série B. E assim foi feito. O resto veio com
firmeza administrativa e alguma inovação na área de marketing. O que vejo agora
no Palmeiras ainda é uma confusão de objetivos. Fala-se em Libertadores, em
Campeonato Paulista e é dado como certo que o time ganha a Série B. Mas não se
vê firmeza de propósitos a longo prazo, a situação para o torcedor ainda está
bastante nebulosa.
Carles: Não podemos esquecer que a
figura do "corneteiro" é praticamente uma invenção palestrina. Será a
falta de comunhão de propósitos dentro próprio quadro associativo uma dificuldade?
Temos aqui um caso parecido de negativismo compulsivo, o segundo time da cidade
de Valência, o Levante. Era habitual que quando não saía o gol até os 15
minutos em casa, os próprios torcedores soltassem a frase "se masca la
tragédia". Ultimamente, houve uma renovação gerencial na diretoria e
parece que o ar de pessimismo da torcida ficou lá no passado. Paradoxalmente, o
time é que é velho! Mas sabem tirar a autoconfiância a experiência e cria um
clima positivo, e os resultados vêm sendo surpreendentes até para os próprios
"granotas".
Edu: Tem tudo a ver. Uma das
verdades absolutas do futebol é que o torcedor precisa sentir firmeza, às vezes
acima dos resultados. Firmeza de intenções e de ações. O torcedor vem junto
quando a coisa é transparente e objetiva. Ainda mais uma torcida tão numerosa e
dedicada como a do Palmeiras. Se o recomeço for simples e objetivo, como uma
missão possível, o torcedor vai lotar o estádio em todos os jogos da Série B.
Carles: Objetivamente, como é que
vai a tentativa de renascimento. Obviamente as noticias sobre a Série B daí não
abundam por aqui.
Edu: A nova direção do Palmeiras
trouxe o guru da era Parmalat, José Carlos Brunoro, um especialista em gestão.
Isso criou uma grande expectativa na torcida, porque o Brunoro é muito querido,
ganhou títulos em sua primeira passagem. Mas não se trata de um milagreiro. É
preciso mais, um projeto firme. Por enquanto, o que vemos é uma série de
contratações discutíveis para renovar o time, um esforço descomunal da
diretoria para tentar colocar as finanças em ordem e uma grande confusão quanto
a objetivos, porque o time está na série B mas vai disputar a principal
competição continental, que é a Libertadores. Então qual seria as saída: montar
um time consistente para ganhar a Série B ou apostar em algumas loucuras para
tentar a Libertadores correndo o risco de não se sair bem nas duas competições?
É o que a torcida precisa saber.
Carles: Se torcida e compreensão
pudessem ser "conjugados" na mesma frase eu, pessoalmente,
sacrificaria a Libertadores. Mas quem sou eu? Lembro da fase sofrida do time do
São Paulo durante a construção do Morumbi. Gostaria de entender qual é a
interferência que a reestruturação das instalações esportivas, incluindo o estádio,
pode ter nesta crise esportiva e financeira profunda do Palmeiras.
Edu: Nesse caso, acho que pouca
interferência. O estádio é praticamente uma obra terceirizada, o clube pode ter
sofrido um pouco pelo fato de ter que pagar para jogar em outros estádios
durante a reforma. Mas não foi isso, certamente, que afundou o Palmeiras. E
sobre o objetivo, o mais lógico seria mesmo priorizar a Série B. Dois anos
seguidos longe da Séria A seriam um desastre sem precedentes.
Carles: Estou totalmente de acordo. Pensei
que nunca diria isso, mas desejo toda a sorte ao Palmeiras. Afinal de contas, o
que seria do Batman sem o Coringa para combater?
2 comentários:
Taí o que pretende a diretoria do Palmeiras, afundar de vez
http://www.portalk3.com.br/Artigo/esportes/brunoro-diz-que-palmeiras-fara-boa-campanha-na-libertadores
Carlonces, ainda não li essa matéria (entrevistas com técnico, brunoro, presidente, sei lá!) é essa: que time esquizofrênico 2013 será esse? montado para ganhar a segundona, tão peculiar...; para disputar libertadores - outra história -, ou uma mescla doida para tratar dos dois?!
sobre a falta de identidade, pelo menos pelo ouvidômetro de rojões e gritos em bares, perdizes/pompéia/água branca continuam mais verdejantes que nunca.
o datafolho fez pesquisa em 2008, que a gente reproduziu no “superguia” feito para a nike ---
não sei se dá para ler, mas vou colocar aí embaixo e também mando em mensagem
(e adorei o se masca la tragédia! bem apropriado para o pistorius, não??!)
/Users/denisemiras/Pictures/Biblioteca iPhoto/Previews/2013/02/15/20130215-114946/DSCN6899.JPG
Postar um comentário