OS 32 DA COPA (32)
Carles: Não sabia se começar falando de coxinhas ou acarajé, de oportunistas
ou inconscientes, reclamar que as manchetes sobre greves ou manifestações nos
chegam acompanhadas da palavra “caos” no lugar de “legítima”. Tinha também o
problema de ao fazer qualquer consideração despretensiosa ser condenado ao fogo
eterno como traidor de uma causa ou partidário da outra. Diante de tudo isso,
preferi passar a palavra a alguém tão ibérico e tão brasileiro como eu. Nascida
em Vila Isabel, no Rio, ela, como eu, carrega indisfarçáveis cicatrizes no nome
e essa dualidade (ou ambiguidade) que tanto nos atormenta aos cidadãos
híbridos. É a escritora Nélida Piñon, que no seu artigo “La ilusión brasileña” para “El País Semanal” de 8 de janeiro, descreve a alma
brasileira como sendo “de raiz Ibérica e destino mestiço, embevecida pelo
poder, heroica, marinheira e sensual, com inclinação à intriga novelesca e ao
lirismo”. Você sabe que eu prefiro quebrar o adjetivo “brasileiro/a” em dezenas
de outros. Mesmo assim, não me parece um mau começo para o nosso papo sobre o
anfitrião da 20ª Copa do Mundo. Intriga novelesca e lirismo, diz ela. Alguma
insinuação sobre fuga da realidade ou tendência à falta de objetividade?
Edu:
Você sabe que, se começássemos a falar sobre futebol como algo que sugere
minimamente fuga da realidade, terminaríamos a conversa por aqui e as relações
diplomáticas estariam cortadas. Logo, não é o caso. O Brasil passou por tantas
desventuras e atrocidades, muitas das quais você sentiu na pele, que, hoje, em
tempos muito mais férteis e cômodos, parte das novas gerações e os rançosos
reacionários das gerações passadas desrespeitam sua própria memória e não sabem
reconhecer as conquistas da sociedade – nem a maior de todas, a liberdade.
Claro, o futebol é uma atividade de raízes 100% sociais, responsável aqui por
construir um patrimônio cultural que virou referência internacional, fator de
estímulo para jovens e crianças, elemento aglutinador e de congraçamento. Pois
justamente no momento em que o país tem o privilégio de comandar esse processo,
os reacionários saem da tumba com sua gosma cinzenta e derrotista. Só não sabem
que o colorido país da mestiçagem, da polifonia e do lirismo (obrigado Nélida)
está sempre pronto para se sobrepor brandindo o lema com o qual vocês têm muita
intimidade: 'Não passarão!’
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