quarta-feira, 1 de maio de 2013

Barça, entre a transição e a ruptura


Edu: Quando um jogo, como este de hoje, apresenta tanta diferença técnica entre uma equipe e outra, as razões da derrota em si ficam praticamente em segundo plano. Foi uma passagem de tempo, uma materialização de uma nova realidade. Estamos no tempo dos alemães. Mas, dentre os muitos motivos para o Barça mergulhar num período de depressão - talvez arrastando consigo o Real Madrid -, um não me passou despercebido e quem sabe você, como quase catalão, tenha uma explicação, dessas que convocam o espírito ‘culé’. Quando o barco estava afundando, o time humilhado em campo, o técnico tira seus dois símbolos, Xavi e Iniesta, para preservá-los do que viria até o fim do jogo. O resto do time que se lixe, o que importa é preservar os emblemas.
Carles: É esporte de alta competição, praticado por profissionais, a vida continua. As paixões devem ficar na arquibancada. Com todo respeito, “o barco afundar” é só uma metáfora, ninguém ia se afogar realmente. Acho que os jogadores do Barcelona entraram preparados para não acelerar desnecessariamente. Se saísse um ou dois gols, provavelmente entraria Messi e começaria outra partida, sacrifícios incluídos. Talvez os três gols de hoje sejam um castigo severo demais. Sem dúvida, o Bayern é legítimo vencedor. Tanto Bayern como Borussia demonstraram sua força, só proponho deixar passar uns meses para ver se essa hegemonia se confirma.
Edu: Você não me respondeu provavelmente porque também não tenha uma explicação que não seja essa da 'preservação'. Vou perguntar de forma mais direta: qual a intenção de tirar Xavi e Iniesta?
Carles: O time está esgotado fisicamente, baleado mesmo. Começa uma fase de recuperação física, psicológica e, provavelmente, técnica e tática. A transição é inevitável. Transição, não ruptura. Quanto mais fortes estiverem os que têm que passar o bastão, melhor para os herdeiros. Você não preservaria as figuras, os símbolos, nesse contexto?
Edu: É um código moral esse que, dentro do futebol, me provoca uma certa repulsa. Deixar as estrelas de fora e colocar nas horas podres o 'resto'? Não, eu não preservaria. E se fosse jogador faria questão de ficar até o final. Claro que esse não é o perfil dos dois bons moços, mas o técnico patrocinou um código de conduta que diminui os colegas e, por tabela, também deixa menos nobre a história dos dois que saíram. Esgotamento físico no momento de decidir uma Champions não me convence, Carlão. Lesões, pode ser. E também não venha me dizer que os caras não queriam ‘acelerar desnecessariamente’. Por favor... A torcida sabia disso? A grande comunidade ‘culé’ tinha consciência disso? Então foi tudo uma encenação?
Carles: Continuo achando que seu raciocínio parte de princípios morais que não fazem parte desse jogo, não existe humilhação. São decisões objetivas e práticas. Mesmo assim, eu devolvo a pergunta: para que deixar o Xavi sem condições físicas em campo? Para que manter o Iniesta, sempre sujeito a lesões musculares em campo, para tentar fazer seis gols em 20 minutos num adversário superior? Com que objetivo, para demonstrar o quê? Heroicidade? Épica? Para ser os últimos a abandonar o barco? Não tem sentido. Não estou dizendo que eu os substituiria, mas tampouco me parece esse absurdo todo a decisão de retirá-los. Repito, era um jogo de futebol profissional, não estava em jogo a honra de nenhum povo ou cultura. Piqué disse ao final: diante de tamanha superioridade do adversário só podemos felicitá-los. Prefiro destacar a evolução do jovem Bartra ou o desempenho não tão ruim de Song. Prefiro perguntar se vai haver mesmo projeto de continuidade, se o ‘capone’ Rossel vai conseguir dar seu golpe de estado, se Neymar vem mesmo. Já disse uma vez e repito: a torcida ‘culé’ não é tonta, é difícil de enganar com simples jogo de cena.
Edu: É um jeito de enfrentar a situação, depois de uma tunda dessas. Mas obviamente que não foi preservação física. Fosse assim, Xavi não teria jogado no fim de semana passado numa Liga que já está decidida, quando, aliás, Messi jogou e deve ter agravado ali a sua contusão. Espero mesmo que a torcida não se engane... E sobre épica e outros temas ligados à honra, nessas horas não vale aquela história de o Barça ser 'mais que um clube'?
Carles: A torcida blaugrana, garanto que não. Ninguém está feliz com a situação, foram cinco anos de gozo total. Existe a consciência de que esse domínio está baseado no trabalho, na competência que alguém poderia arrebatar, trabalhando mais duro, calcando algumas coisas e melhorando quase tudo. Aí está o Bayern. É a prova viva e que o Barcelona marcou mais uma vez a história e a evolução do futebol. O Barça foi engolido pelo monstro que ele mesmo criou, só que fortalecido, física e tecnicamente. Se houver um projeto de futuro nesse Barça, tem que começar por reaprender. Começando pela humildade que, pelo menos da boca para fora, demonstraram seus jogadores para enfrentar o que você chama de humilhação. Não tem épica. Em nenhum momento falei que houve ou devesse haver épica ou heroicidade. Ao contrário. É profissionalismo.
Edu: Sim, sim, nesse caso é mero profissionalismo, mas no momento de soar o hino e outros cânticos da terra - numa legítima demonstração política, diga-se –, aí é em nome da 'honra catalã'. Mas tudo bem, aceito o argumento pós-derrota. E se perder de 7 a 0 em dois jogos não é humilhação técnica, o que é então? Não estou dizendo que a Catalunha sai deprimida e subjugada, não se sinta ofendido, e sim que a superioridade esportiva nesse confronto foi humilhante, arrasadora. E isso você sabe que foi.
Carles: Creio que você está pondo um discurso na boca dos catalães que nunca fizeram. Talvez seja a imagem que interessa dar desse território, mas, creia-me, não é essa a realidade. Existe um orgulho sim, mas existe também o orgulho de ter espírito esportivo. De saber ganhar e saber perder. Se não fosse assim, como teriam sido assimiladas todas as derrotas impostas pelo franquismo, pelas injustas políticas centralistas? Pode estar certo que existe interesse em que as reivindicações catalãs sempre tenham uma imagem de soberba e prepotência que não é real. Um interesse em criar uma imagem pouco simpática. Da minha parte, considero que se mais povos fossem firmes nas suas convicções, estaríamos chorando menos injustiças. Mas pensei que o assunto fosse os dois chocolates alemães que o Barça tomou e não a história dos meus ancestrais por parte de avó paterna.
Edu: Apelou né Carlão... Nem leu direito o que escrevi logo acima - de que acho legítimas as manifestações, que sempre achei, aliás. E em nenhum momento falei em falta de esportividade. Ao contrário, o Barça, no auge do baile, não deu nenhum pontapé, soube perder. Mas entendo... Quando passar a sua ressaca moral talvez você compreenda minha posição um pouco melhor. Ou pelo menos aceite, sem partir para os argumentos que evocam o franquismo, como se eu estivesse do outro lado. Convenhamos... Prometo encerrar a conversa aqui, de minha parte.
Carles: Entendo que possa parecer apelação, mas se a questão é entender o caráter catalão e outros do território espanhol, sinto muito, mas falar do franquismo é inevitável, já que condicionou o passado desses povos e consequentemente o presente. Agora, vai me perdoar, como sou meio catalão e meio paulistano, vou direto para La Bombonera. Até amanhã quando, espero, falemos de resultados positivos.

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