Carles:
Será que a revalidação do Scudetto
pelos "bianconeros", sem
pena nem glória, de forma muito menos vibrante que na anterior temporada, além do
triste desempenho italiano nas Copas europeias são claros indícios do atual
estágio que ocupa o calcio, frente ao
resto da Europa?
Edu:
Aquilo sim é crise endêmica. E por lá o futebol parece que pagou um pouco mais
caro pelo efeito Berlusconi do que o futebol espanhol pelo efeito Aznar. No
mínimo, a sociedade italiana puniu mais o calcio
do que outros setores, também por causa da sequência de falcatruas e escândalos
internacionais, graças a figuras que durante muito tempo dominaram a cena, como
o indefectível Luciano Moggi, o homem que tinha uma dúzia de celulares - e usava
todos.
Carles:
A sombra do ‘Moggigate’ segue pairando sobre a confiança do futebol e da
sociedade italiana. Todo o entorno parece hipersensibilizado. À mínima
suspeita, saltam as alarmas temerosos de um novo escândalo. O próprio Antonio
Conte, treinador campeão esteve exposto faz muito pouco tempo. Eu não chegaria
a dizer que Berlusconi foi mais nocivo que Aznar, preocupado mais em alianças
bélicas do que em orgias. A aparente
indiferença de "Il Cavaliere"
parece magnificar essa imagem de permanente corrupção e impunidade.
Edu:
Se há um padrão acabado de perda de credibilidade é o do calcio. O que vemos
hoje são clubes despersonalizados, afastados até mesmo de suas raízes locais,
estádios vazios, com raras exceções, e times que fizeram história penando para
sobreviver. Aquele Campeonato Italiano sempre com alguma novidade para oferecer
aos domingos é uma quimera. O curioso é que justo dessa fase obscura surgiu a
mais atraente Azzurra das duas últimas décadas, comprovando que das crises
costumam sair soluções criativas. E Antonio Conte é um dos técnicos em alta na
Europa. Está na mira inclusive do perdulário PSG.
Carles: Pois
é, nada mais propício ao renascimento da fênix que as cinzas. Dizem que a imprensa
italiana foi decisiva durante as investigações do caso. Claro, por trás do
clamor de transparência, parece, sempre existem outros interesses, contrários
aos corruptores. Casualmente, Massimo Moratti, máximo acionista da Inter de
Milão, foi fundamental nas denúncias, graças à amizade justamente com o dono da
companhia telefônica à que Moggi deu tanto lucro com suas chamadas. Se
traçarmos um paralelo entre Itália e Espanha, a grande diferença, talvez, seja
que por aqui ninguém parece de verdade interessado em descobrir nada. À mínima
suspeita, tudo se abafa. Nisso, é fundamental também a pouca neutralidade da
imprensa, sempre ligada a algum grupo ou clube.
Edu: Apesar
de a Itália também ter essas influências clubísticas sobre a mídia, agravada
pelas diferenças irremediáveis entre Norte e Sul, de fato há uma parte da
imprensa interessada em desvendar o que importa, acima dos interesses do
futebol. E tem também a natural propensão do italiano a um bom escândalo.
Carles:
Esse, creio, foi o ponto fundamental no caso em questão. Na escolha Entre o ‘amiguismo’
ou a afinidade regional e a possibilidade de esquentar as rotativas, não houve
dúvidas. Quer saber? Depois de uma época de bonança esportiva na Espanha, o
cheiro do fracasso começou a acirrar as disputas políticas internas. Tanto na
casa ‘blanca’ como na ‘blaugrana’, as acusações começam a ser disparadas em
fogos cruzados que a qualquer momento podem atingir inclusive a parcela
esportiva. De momento, é fogo discreto, mas a tendência é que as oposições
sintam-se reforçadas e motivadas para denunciar, pela falta de títulos e perda
de hegemonia. E, como eu disse, nada como a diferença de interesses para desencadear
os escândalos. Por aqui temos pendentes não só possíveis casos de corrupção
arbitral, mas de dopagem. Salve-se quem puder.
Edu:
Talvez essa seja uma visão um tanto catastrófica sua, em função da desilusão
política e social, o que é compreensível neste momento. Mas a estrutura do
futebol espanhol me parece menos vulnerável justamente pela força regional. Não
quer dizer que esteja imune a falcatruas, muito ao contrário. Mas acho que o
esporte espanhol tem uma blindagem um pouco mais sólida do que na Itália, onde
muitos clubes são usados abertamente como prostitutas eleitorais, sem qualquer
sutileza, e os atletas de vários esportes entram na dança. Observando à
distância, não parece, ainda, que chegou a hora de o esporte espanhol entrar
nessa espiral depressiva, mesmo convivendo com alguns escândalos de doping e
corrupção.
Carles: É
bem provável. À distância ou não, tudo na Itália parece mais descarado, parte
das diferenças de caráter, pese a crença contrária. Os espanhóis de modo geral parecem
desfilar com maior pudor, as podridões próprias da "trastienda".
Isso, em alguns casos, pode ser um grande risco para a tão desejada
transparência. "Pero, estamos en ello."
Edu:
De qualquer jeito, no ambiente do futebol, a Juve, por exemplo, é grandiosa
demais para ser ignorada, apesar de seu envolvimento direto nos últimos
escândalos. É um clube que ainda tem um enorme respeito dos adversários
europeus, assim como o Milan, um pouco menos a Inter. A Itália, mesmo no
purgatório, ainda tem o poder de despertar cautelas em qualquer adversário,
seja qual for o Berlusconi da vida que estiver no poder.
Carles:
Verdade, no fim das contas, os clubes ficam e os mafiosos passam. Ou pelo menos,
mudam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário