Carles:
“Não aceito que dê a bola de presente ao adversário pela sua maneira de jogar.
Conversei com ele e disse que não aceito isso de ninguém.” Sabe de quem é frase e
a quem se refere?
Edu:
Não.
Carles: Do
vovozão Ferguson e sobre o Cristiano Ronaldo quando aquele era treinador deste. Acho
que fez efeito, né?
Edu:
Li tantas coisa sobre Ferguson nestes últimos dias que cheguei à conclusão de
que fica difícil saber se ele era melhor técnico ou melhor gerente. E também
onde termina a realidade e começa o folclore. Mas o velhão mal humorado merece
tantas honras...
Carles:
Provavelmente ele é um bom exemplo de diretor técnico, cargo que realmente ostentava. Em alguns clubes esse termo fica
só na plaquinha da sala do cara. No caso dos clubes ingleses costuma ser mais
do que isso. Ferguson foi um gerente com responsabilidades técnicas e acho que
o grande mérito dele é ter sabido se assessorar no que não era capaz de
resolver. Administrar, durante 27 anos, tamanha quantidade de jogadores, das
mais diferentes origens e na maioria dos casos, obtendo uma melhor versão de
cada um deles, deve ter algum mérito.
Edu:
Claro que com a estrutura do United fica tudo mais fácil, inclusive se cercar
de gente eficaz. Entre as unanimidades em torno dele, está o fato de saber
'fazer' estrelas. Pode até ser um técnico comum com cabeças de bagre, mas tem a
manha de saber tratar as 'divas'.
Carles “Organizar
estes egos, estas personalidades e conseguir motivar a quem já tem tudo, é
parte essencial do trabalho”, teria dito ele.
Edu: E
também sabe pescar algumas revelações aqui e ali. Se bem que fez muita bobagem
também. Levou ao Manchester, por exemplo, o brasileiro Kleberson, que foi um
fiasco. Mas nesta hora de despedida ninguém vai lembrar dos fiascos.
Carles:
Não foi a única. De fato, segundo ele mesmo, uma das suas melhores decisões foi
uma não contratação. “Um grande êxito foi não contratar Paul Gascoigne.” Essa
sinceridade incomoda muita gente. Sem falar da guerra dialética que manteve com
o espanhol e atual técnico do Chelsea, Rafa Benitez, então treinador de um
Liverpool campeão da Europa. Nesse caso demonstrou um certo recalque,
desmerecendo o trabalho do colega, se bem que, na essência, tivesse certa
razão.
Edu:
Esse lado de semear ódios e inimigos é uma vertente bastante agitada na vida de
Ferguson. Arsène Wenger, outra das vítimas preferidas dele, que o diga. O
onipresente John Carlin, em seu livro ‘La Tribu’, ressalta várias passagens em
que o mau humor de Ferguson se transforma em falta de educação mesmo, estupidez
em estado primitivo, o que prova que o título de ‘sir’ concedido pela rainha
está desmoralizado há décadas.
Carles: Provavelmente
o fato de ele castigar o chiclete constantemente, evita danos maiores.
Edu:
Carlin sempre lembra de uma frase que teria sido dita por Martin Ferguson,
irmão mais novo de ‘sir’ Alex, também ex-jogador, sobre o mau humor do ‘boss’:
'Mesmo se ele vivesse sozinho numa mansão, arrumaria uma briga diferente todos os dias'.
Carles:
Ou seja, em se tratando de mau humor, Cristiano Ronaldo pode inclusive se doutorar.
Que sequência! Talvez, isso justifique as "palavras de carinho"
dedicadas a Mourinho neste meio de semana, durante a comemoração de um gol.
Sobre a relação do português com o clube espanhol, Ferguson tampouco se privou:
“No Madrid, Mourinho tem que administrar um circo.” Aliás, admiro a clarividência
que ele sempre demonstrou com relação ao Real Madrid, hehehe....
Edu:
A verdade é que está enganado quem pensa que o velhote vai se aposentar de uma
vez. O cargo que ele passa a ocupar agora no United, uma espécie de consultor
geral do futebol, certamente será um inferno na terra para os seus sucessores.
Você tem alguma dúvida de que ele vai continuar palpitando com sua proverbial
elegância? E xingando juízes? E provocando Wenger e Benitez?
Carles:
Nenhuma. É provável até que tenha mais tempo para sua criação lapidaria.
Imagino que não será um mar de rosas para o seu sucessor no ‘banquillo’, com o
homem fungando no cangote. Será que ajuda se for outro escocês, como David Moyes,
ex-Everton? A escolha se baseia no perfil de Moyes, que desde 2000 vem posicionando
o Everton entre os 10 primeiros colocados da Premier.
Edu:
Mesmo assim, não vai ser fácil. Fergie não é muito adepto de concessões. E pode
esperar: quando o rosto do homem começa a ficar roxo, no segundo seguinte algo
pesado virá. Mas apesar de todas as patadas e dos episódios um tanto
constrangedores, o certo é que fica uma história muito rica, um pequeno
monumento ao futebol. Não fosse assim o time mais badalado do mundo não teria
segurado o cara por quase três décadas e os craques memoráveis que passaram por
ali não teriam tanto carinho e reconhecimento para com 'sir' Ferguson.
Carles:
Você vai me permitir, para finalizar as minhas impressões sobre uma figura
marcada por tantas frases, deixar a minha favorita, pela afinidade que ela me
concede com sir Ferguson: “O Real Madrid, como clube favorito do general
Franco, estava acostumado, antes de que a democracia chegasse à Espanha, a conseguir quem quisesse e fazer o
que quisesse”. ‘Menudo’ choque de egos!
Edu:
Agora entendi o motivo de você ter insistido em falar do velho escocês hoje...
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