Edu:
Vi hoje umas imagens da apresentação do time do Marquês. Aparentemente, a mesma
'Roja' de sempre virá ao Brasil. Os inimigos de Barça e Madrid se reencontram e
se transformam, sem aquela crispação dos clássicos. É um grupo carismático, que
consegue ter aquela aura de campeão sem precisar de máscaras. Mas não consigo
deixar de ver ali um time, hoje, bastante acomodado, tenho minhas dúvidas se veremos
aqui a melhor Espanha, competitiva e vencedora.
Carles: Os
rapazes da seleção não deixam de ser uma amostragem representativa de uma
geração desacostumada a lutar e, por isso, um pouco fria. Isso não se aplica só
aos jogadores de futebol, mas é praticamente
um traço comum a todos os espanhóis dessa faixa de idade. Não só pela opulência
em que cresceram, mas também porque seu posicionamento diante da vida é
justamente o oposto às anteriores, sofridas e por isso dramáticas, normalmente dispostas a tudo, a todo tipo de sacrifício.
Edu:
Você me diz, então, que do alto dessa frieza sociocultural da era
pós-franquismo pode se esconder um furacão esportivo que só emerge nas horas
importantes?
Carles: Pouco
provável. Essa geração é menos visceral e mais racional, recebeu o aperfeiçoamento técnico e acadêmico que não
tiveram as anteriores. Parece que a tal "sangre caliente" ficou no
passado. A ‘Fúria’ ficou em algum lugar de uma história cheia de improvisações, para sorte do futebol bem jogado e prejuízo daqueles momentos em que a raça parece a única solução. Temo que, quando o talento escassear, não vai ter como compensar
com, digamos, paixão. É assim com jogadores, com engenheiros, arquitetos,
pesquisadores, etc.
Edu:
Tem lógica, mas oferece um perigo quando se trata de futebol: no caso de um
desempenho que não agrade, ou nas Confederações ou nos próximos jogos das
Eliminatórias, não vai faltar quem diga que se trata de soberba, arrogância, e
não de temperamento. O torcedor em geral não tem essa condescendência e parte
da imprensa muito menos. E essa postura pode ser confundida também com
desinteresse. É um final de temporada, o pessoal está esgotado, alguns vieram
de um ano extenuante no aspecto de convivência pessoal, como os jogadores do
Real Madrid. E a Espanha vai fazer uma odisseia pelo Brasil na primeira semana.
Joga no Recife, desce para o Rio e volta ao Nordeste, em Fortaleza, para
enfrentar a Nigéria.
Carles:
Hummm, para chegarem bem estropiados à final? Seria ideal para o Brasil, ganhar
da campeã do muno no "novo" Maracanã. Ótimo para a direção a CBF,
para a comissão técnica, para a organização da Copa, para os negócios. Ah não,
esquece, impossível, foi a mão inocente do Alex Atala quem sorteou os jogos.
Está tudo certo.
Edu:
Fiquei sem saber qual 'Roja' veremos no Brasil, mas suponho que seja algo
semelhante ao que aconteceu na última Copa das Confederações, na África do Sul,
quando a desclassificação na semifinal não pareceu afetar ninguém. Talvez seja
essa frieza dos bem-nascidos jogadores do Marquês. Então, concluímos que discursos
como o do Sérgio Ramos, que lembrou ser este o único título que falta ao time,
ou de Iniesta, afirmando que seria 'magnífico' enfrentar o Brasil numa final no
Maracanã, são meras artimanhas para distrair um pouco a imprensa espanhola?
Carles:
Também pode ser parte de um processo de relaxamento de quem ganhou todos os
campeonatos importantes dos que participou até aqui. Essa condição afasta a
tensão competitiva que você e muitos outros reclamam, pelo menos até que esse
time perceba que as vitórias não chegam naturalmente e, pior, que os principais
jogadores envelheceram. Por outro lado, na anterior versão da Confederações, o
compromisso era bem menor. Agora, eles têm que defender um campeonato mundial e
o bicampeonato europeu. Mais cedo ou mais tarde, a ficha vai cair e aí eu
tampouco sei responder qual será a reação, ou menosprezar o título, como uma
conquista menor, ou começar a desconfiar das próprias possibilidades. E a imprensa
esportiva espanhola não precisa ser distraída, ela é mais cega que o torcedor
mais fanático.
Edu:
De certa forma será diferente e estimulante ver esse time daqui por diante com
esse o olhar sobre uma 'geração da opulência' que você destaca. O torcedor
brasileiro comum, que em princípio adora o futebol espanhol, talvez não tenha
essa leitura e fique decepcionado se a 'Roja' não encantar como das outras
vezes. Mas não importa. Sempre haverá uma explicação glamourosa para quem é
campeão mundial.
Carles: Não
acredito que os jogadores espanhóis tenham total consciência dessa admiração do
torcedor brasileiro. Garanto que seria um estímulo suficiente para um esforço
adicional, para extraírem o máximo de si mesmos e tentarem ultrapassar os
limites circunstanciais, durante o torneio. Isso sem deixar de recordar que o título de melhor do mundo tem data de
vencimento, quatro anos e fica tudo zerado. E já se sabe, rei deposto… é
república na certa!
Edu:
Já, já voltamos a seu assunto preferido, a monarquia...
Nenhum comentário:
Postar um comentário