terça-feira, 11 de junho de 2013

Oscar, Neymar e crises de confiança


Edu: As diferenças de momento entre Oscar e Neymar – um dos temas preferidos da imprensa brasileira nesta semana pré-Confecup - remetem para uma discussão que já tivemos algumas vezes aqui: de como a confiança, ou a falta dela, e a pressão do entorno atuam de forma distinta sobre as individualidades. A compulsão em volta do Neymar deixou, como paradoxo, caminho livre para Oscar fazer tudo o que deve fazer sem a mínima pressão, inclusive pelo fato de ter perdido a camisa 10 da Seleção, com sua carga simbólica pesadíssima. Enquanto um cresce, o outro encolhe.
Carles: É um fato, mas tudo depende da forma como cada um deles administrar as suas realidades. Às vezes, tenho a impressão de que Neymar está à espera de que as coisas mudem automaticamente, sem nenhum esforço da parte dele para que tudo retome um curso menos adverso. Por muito jovem que seja, é hora de tomar as rédeas da situação. No fim das contas, é a vida dele. Também não é difícil entender esse processo pelo qual ele vem passando, tudo foi acontecendo naturalmente, o reconhecimento, a fama nacional, depois, a internacional. Tudo sem um esforço adicional a não ser o de fazer o trabalho dele com um talento acima da média.
Edu: Temos que levar em conta também as diferenças de temperamento. Os dois têm praticamente a mesma idade e as mesmas expectativas, mas Oscar é um garoto avesso a muito barulho, já era assim quando vivia no Brasil. Foi muito firme ao negociar com o Chelsea e não hesitou em assinar com um dos clubes da moda que mais pressão sofrem da mídia e do entorno. Esse primeiro ano de experiência, enquanto Neymar fazia as pirotecnias dele por aqui, também tem influência no fato de Oscar ser, hoje, um garoto um pouco mais curtido pela dureza da vida do futebol. Não é moleza enfrentar aquele ambiente de Stamford Bridge, as cobras criadas do próprio time, a Premier, a Champions. Por outro lado, Neymar fez muitíssima espuma nessa fase recente da carreira e só agora, depois dessa negociação novelesca, deve estar sentindo que a coisa vai mudar.
Carles: Personagens distintos, desfechos similares, mas roteiros diferentes. Muito diferentes, e essa parte é o que mais conta. Oscar chegou ao Chelsea como craque, mais bem como uma promessa, e sem tanto protagonismo, como um componente mais de um projeto, tal como o espanhol Juan Mata ou o belga Eden Hazard. Neymar Jr. chega ao Barça como um produto mercadologicamente acabado e com muitas promessas na embalagem: gols, espetáculo, sem deixar dúvida quanto à titularidade, inclusive desbancando em peso, algumas das estrelas do time catalão. Tudo isso deve pesar muito, independente da personalidade.
Edu: Insisto na questão da autoconfiança, que evidentemente não pode ser destacada e excluída do contexto em que cada um vive. Vocês têm alguns exemplos aí de crise de confiança já com jogadores mais vividos. David Villa teve uma contusão grave, mas até onde sei teve recuperação de 100%. Mas não consegue superar a desconfiança da torcida do Barça e nunca voltou a ser o mesmo. Igual para Cesc, se bem que esse nem contusão teve. Kaká, ainda que não tenha mais uma grande parte do seu poder físico de antes, vive uma crônica crise de confiança por não conseguir agradar a comunidade ‘madrileña’ - torcida, mídia e a galera do Florentino em geral. E estamos falando da fina flor do futebol europeu, não de dois garotos mirradinhos que saíram daqui para o mundo.
Carles: Pois eu ilustraria o caso com outra figura do futebol, guardadas as devidas proporções e sem ânimo de comparações diretas. Refiro-me a Thiago Alcântara, que, graças à intervenção do pai, pode ter frustrada uma brilhante carreira. A percepção do rapaz da própria realidade é produto daquilo que recebe do entorno mais próximo e ele obviamente guia suas decisões e conduta em função dessa realidade, mitificada pelo mero interesse de multiplicar o valor dele como jogador e, portanto, como mercadoria. Que passa pela cabeça desses moleques, com a bola cheinha, crentes que são imbatíveis e insuperáveis, mas com a desconfiança das próprias possibilidades e limites que temos todos e qualquer um de nós? Realmente, é uma crise de confiança como você diz. Mas uma crise praticamente inevitável, sejam quais forem as capacidades de defesa desses meninos, porque eles foram atirados aos leões pela ganância de quem os cerca, incluídos os pais.
Edu: Sim, não há dúvida de que são forçados a encarar um mundo onde tudo é over e, além disso, jogar um pouco de bola nos intervalos se possível, porque esse é o meio de vida deles. Ainda assim, o sujeito que tem uma capacidade de resistência mental acima da média é capaz de sobreviver dignamente e, de verdade, fortalecer-se como indivíduo. Se pensarmos nos exemplos dos garotos e dos mais velhos, ainda que não seja possível uma comparação direta, veremos que mais uma vez comportamentos diferentes determinam, ou encaminham, que tipo de futuro o jogador de futebol terá, que valores vai respeitar, que ser humano se formará daí.
Carles: Você crê nisso realmente? Que exista força mental capaz de resistir a esse tipo e pressão, sem abrir mão das "regalias" de ser um tocado pela varinha da fortuna? De volta à comparação entre Oscar e Neymar, pelo menos o jogador do Chelsea está tendo a oportunidade de receber o impacto em doses homeopáticas. Estrear na Europa sem tanta pressão, jogar na Seleção sem tanta pressão, inclusive sem a carga de ser titular. Por isso, e tranquilamente, com toda a qualidade que demonstrou, virou titular. E, mais uma vez, sem a mesma pressão que recebe Neymar, está se transformando no principal destaque da Seleção. Não estou desculpando o Neymar, ao contrário, como disse no começo, acho que ele é quem deve tomar uma atitude. Se continuar ao sabor das ondas, uma hora ou outra acabará naufragando.
Edu: Exatamente por isso acredito piamente no poderio mental que uns têm em profusão e outros não. Chegamos ao ponto de ver um garoto mais talentoso ameaçado de sucumbir aos muitos fatores externos, enquanto outro, que também tem seus talentos mas nem tanto, supera obstáculos igualmente complicados, embora sejam obstáculos de outro tipo, mas nunca em doses homeopáticas como você diz. Certamente é muito cedo para prever o que vai acontecer ao Neymar, mas a trajetória do colega de Seleção pode de certa forma ajudar o garoto nessa passagem.
Carles: Pode até ser, mas também é verdade que ter que valer-se de todas as forças mentais para tomar decisões, transpor os próprios limites para poder suportar uma pressão profissional excessiva não é um dilema exclusivo dos grandes astros do futebol. Pode estar certo de que uns conseguirão passar por essa situação aparentemente mais fortes que outros, mas, pela experiência que tenho de mais de meio século, afirmo que as consequências desse esforço chegam, mais cedo ou mais tarde. É esse tipo de opção que determina o grau de desfrute daquela palavrinha tão desgastada: felicidade. Questão de escolhas, mas determinada também pela capacidade de reconduzir essas escolhas.

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