sábado, 7 de junho de 2014

A alma brasileira da mais mestiça das seleções


OS 32 DA COPA (32)
Carles: Não sabia se começar falando de coxinhas ou acarajé, de oportunistas ou inconscientes, reclamar que as manchetes sobre greves ou manifestações nos chegam acompanhadas da palavra “caos” no lugar de “legítima”. Tinha também o problema de ao fazer qualquer consideração despretensiosa ser condenado ao fogo eterno como traidor de uma causa ou partidário da outra. Diante de tudo isso, preferi passar a palavra a alguém tão ibérico e tão brasileiro como eu. Nascida em Vila Isabel, no Rio, ela, como eu, carrega indisfarçáveis cicatrizes no nome e essa dualidade (ou ambiguidade) que tanto nos atormenta aos cidadãos híbridos. É a escritora Nélida Piñon, que no seu artigo “La ilusión brasileña” para “El País Semanal” de 8 de janeiro, descreve a alma brasileira como sendo “de raiz Ibérica e destino mestiço, embevecida pelo poder, heroica, marinheira e sensual, com inclinação à intriga novelesca e ao lirismo”. Você sabe que eu prefiro quebrar o adjetivo “brasileiro/a” em dezenas de outros. Mesmo assim, não me parece um mau começo para o nosso papo sobre o anfitrião da 20ª Copa do Mundo. Intriga novelesca e lirismo, diz ela. Alguma insinuação sobre fuga da realidade ou tendência à falta de objetividade?
Edu: Você sabe que, se começássemos a falar sobre futebol como algo que sugere minimamente fuga da realidade, terminaríamos a conversa por aqui e as relações diplomáticas estariam cortadas. Logo, não é o caso. O Brasil passou por tantas desventuras e atrocidades, muitas das quais você sentiu na pele, que, hoje, em tempos muito mais férteis e cômodos, parte das novas gerações e os rançosos reacionários das gerações passadas desrespeitam sua própria memória e não sabem reconhecer as conquistas da sociedade – nem a maior de todas, a liberdade. Claro, o futebol é uma atividade de raízes 100% sociais, responsável aqui por construir um patrimônio cultural que virou referência internacional, fator de estímulo para jovens e crianças, elemento aglutinador e de congraçamento. Pois justamente no momento em que o país tem o privilégio de comandar esse processo, os reacionários saem da tumba com sua gosma cinzenta e derrotista. Só não sabem que o colorido país da mestiçagem, da polifonia e do lirismo (obrigado Nélida) está sempre pronto para se sobrepor brandindo o lema com o qual vocês têm muita intimidade: 'Não passarão!’
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