quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

‘El Niño’, superestimado e com modesto repertório

Edu: Então me responda: que pasa con ‘el Niño’ Torres?
Carles: Relaciono a decadência do herói de Viena com o recorrente "fracasso" de muitos futebolistas que oferecem um repertório muito pequeno de recursos.
Edu: O cara era determinante no Atlético de Madrid. Está certo que muitas defesas na Espanha que marcam em linha facilitam para um cara como ele. Mas sempre foi diferenciado, parecia bastante inteligente dentro da área. Demonstrou um pouco disso no Liverpool também. E na 'Roja'. Então nos enganamos todos? Aquilo era uma ilusão? Um 'espejismo' como vocês dizem?
Carles: Não nego que ele tenha demonstrado inteligência e certa eficiência naquilo que se esperava dele. Só que jogadores como ele dependem muito do resto do time, do esquema, das próprias condições físicas e, naturalmente, decaem quando passam a ser muito conhecidos pelos adversários. Provavelmente isso suceda com todos os jogadores, mas o efeito é muito mais dramático nos jogadores, como disse, de menor repertório. Tanto o Liverpool, o Atlético como a ‘Roja’ da época em que Fernando brilhou, eram times que não tinham a posse de bola e aproveitavam as defesas adversárias que jogam adiantadas, ideal para ‘el Niño’. É certo que ele teve momentos bons no Liverpool, sob condições relativamente diferentes, mas sinto que, como agravante, ele perdeu a autoconfiança gradualmente, o que agravou a situação. Além do problema de ter que se adaptar a times mais trabalhados taticamente.
Edu: Por um tempo achei que tinha relação com a forma como ele era tratado na Espanha. Por um lado, era bastante mimado e, por outro, cometeram a heresia no Atlético de colocar um cara de 20 anos como capitão do time. E em um time por natureza pressionado pelo complexo de inferioridade em relação ao rival mais forte de Madrid. Um tipo de pressão parecida com a que o Santos faz com o Neymar.
Carles: Não concordo com essa tese porque ele sempre demonstrou ser um cara bastante maduro. Você já viu ele envolvido em algum escândalo dentro ou fora de campo? O jeito de moleque e alguns visuais que ele adotou, na verdade, falam pouco dele. Eu acredito mais na falta de percepção dos dirigentes que o contrataram e num provável decréscimo de condição física, essenciais para o jogo mais brilhante de Torres. Ele precisa de muito espaço para se deslocar, para fazer diagonais, como nos times que você citou.
Edu: Mas é pouco para um cara que é internacional. Então ele só serviria para jogar contra o Zaragoza ou o Depor? Aí teria espaços. Me parece mais um caso de supervalorização que nós que convivemos com o futebol sabemos que acontecem com frequência. Caímos em muitas armadilhas. Mas insisto: essa pressão de fazer o garoto amadurecer depressa teve certamente alguma influência. Ele pensou que era muito mais do que realmente é.
Carles: Pode ser. Talvez a consagração prematura acabe abortando a possibilidade de aperfeiçoamento. Isso é comum em qualquer profissão, não? Se ele fosse menos mimado talvez tivesse se esforçado em ampliar sua gama de recursos que, insisto, é escassa. Nem acho que seja uma enganação, mas craque nunca foi, o que não quer dizer que não tenha sido um jogador importante para os clubes e para a seleção. Se a seleção espanhola seguir nessa linha de toque, sem dar lugar a esquemas alternativos, mesmo que eventuais, não creio que ele perdure demasiado. Ultimamente é o jogador ao que se deu mais chances!
Edu: Você falou da falta de visão dos dirigentes, e é verdade. Mas certamente também faltou o técnico ideal para essas situações. Um cara que cumpra com sua função essencial - a função propriamente técnica no rigor da palavra -, de orientar, chamar a atenção para as falhas e para as potencialidades, insistir em algumas necessidades e posturas, passar ao jogador mais variações táticas. Enfim, uma figura rara no futebol.
Carles: É certo, mas você não acha que o futebol moderno pede jogadores mais versáteis que o Fernando Torres? O especialista é raça em extinção e não só no futebol.
Edu: É mais um desejo que uma realidade. Há e sempre haverá mercado seguro para os especialistas. Esteja certo.
Carles: Principalmente nos chamadas equipes de segunda linha, as que passam 90 minutos esperando que as circunstâncias sejam as planejadas pelas suas parcas possibilidades para dar o bote. Por isso acho que o contra-ataque está subestimado. Poderia ser um recurso circunstancial e não o único recurso de um time durante toda uma temporada.
Edu: Eu já acho que o contra-ataque é um recurso de técnicos incapazes. É um recurso válido, sim, mas normalmente é considerado como a arma principal. São eles, esses técnicos, que vêm aí a única saída.
Carles: O Atlético de Madrid de Torres utilizava o contra-ataque com bastante frequência, o Liverpool jogava com as linhas de defesa e meio-campo juntas e o ataque mais isolado, enquanto a seleção da Espanha campeã da Eurocopa de 2008 juntava muitos efetivos no meio de campo e fazia a bola circular esperando os deslocamento de Torres e Villa para armar o ataque em velocidade. O problema é utilizá-lo como único recurso. Nisso, estamos de acordo.
Edu: A questão dos esquemas e do contra-ataque são temas para muitos posts no futuro, concorda?
Carles: Sem dúvida. Muitos e muitos posts.
Edu: Concluindo sobre a associação que fiz sobre Torres e Neymar. A diferença entre os dois é clara: o Neymar tem mais recursos, muitos mais. Mas um mau técnico ou um mau esquema pode anular essas habilidades.
Carles: Não acredito que "só" um mau técnico possa anular as possibilidades de jogadores como Neymar, que não tem nem comparação com Torres. Neymar faz parte de um grupo em que estão, entre outros, Iniesta e Cristiano Ronaldo. Agora, outras razões sim podem limitar as possibilidades de projeção do brasileiro.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Sai Torres, entra Michu



Carles: E o jovem Swansea de 100 anos de idade é campeão da League Cup!
Edu: E a estrela é Michu. Como dizem seus compatriotas, na Inlgaterra 'los españoles estan de moda'...
Carles: Mas no caso do Swansea não é nada por acaso, desde que passou por lá Roberto Martinez, hoje técnico do Wigan, outro treinador espanhol, o clube decidiu adotar uma filosofia espanhola. No campo é lógico, não na gestão, que nisso não estamos de moda.
Edu: Fale mais sobre ele. Não conhecemos por aqui. Se não me engano foi jogador do Zaragoza, é isso?
Carles: Sim, foi jogador do Zaragoza, mas só chegou a disputar um jogo na primeira divisão, depois foi para o Balaguer, da sua cidade, e daí junto com outros dois jogadores, para o Wigan inglês, onde ficaram conhecido como ‘The Three amigos’, numa alusão aos personagens Disney do "Você já foi à Bahia", lembra? Na verdade foi ele que abriu esse caminho agora massivo, a Spanglish League.
Edu: The Three Amigos tem a cara dos britânicos. Lembro sim, virou cult.
Carles: O fato é que Martinez acabou sendo treinador do Swansea na temporada 2007-08 e conseguiu o acesso do time à Premier. Agora o treinador é Michael Laudrup, dinamarquês com larga vivência na liga espanhola. E o time conta com mais três espanhóis, além do Michu.
Edu: Esse era craque, o Laudrup. E continuou fazendo um trabalho bem interessante no time galês, que tem um jeito legal de jogar, com todos os meio-campistas circulando muito e aparecendo na área para concluir. E o Michu é um atacante heterodoxo, um tipo estranho, parece que nunca vai chegar mais sempre chega. E atacante canhoto sempre tem algo diferente.
Carles: Não é do tipo grosso, é até habilidoso, mas é atacante puro, goleador, marrudo. Aposto nele para ser o próximo centroavante de la Roja, com licença de Villa. Tudo depende da evolução física e técnica do asturiano mais famoso, ‘El Guaje’. Mas acho que se o Michu seguir nessa linha, pelo menos podemos esquecer o lento e pesado Negredo.
Edu: Ah não, Negredo não. Me lembra o estilo Grafite, que o Dunga teve a manha de levar para a Copa.
Carles: Bom, o Marquês tem a manha com o Negredo. Mas voltando ao Swansea é um projeto sólido. Laudrup revelou que na gestão passada o clube alcançou um lucro de 20 milhões, quando muitos clubes ingleses estão em quebra ou pertencem a grupos pouco transparentes. É um clube vendedor, fatura, comprando jogadores desconhecidos e multiplicando por dez o investimento. E existe um trabalho sério para procurar novos jogadores e revelá-los.
Edu: Com o sucesso que está fazendo, dificilmente Michu continua no Swansea na segunda temporada dele na Inglaterra. Mas, se for para um time maior, vai ter a responsabilidade de honrar o caminho aberto na Premier pelos craques do meio-campo, Silva e Matta, agora também o Cazorla. Será que ele segura essa onda?
Carles: Essa é a pergunta que nos fazemos, onde estará jogando Michu no ano que vem? O clube despista e diz que ele está contente, aquela conversa diplomática de sempre, mas o certo é que por uma boa oferta, certamente passam nos cobres. E aí o Michu vai ter a responsabilidade que não teve até agora, com os focos sobre ele, porque até agora usou e abusou do fator surpresa, senão perguntem ao Ferguson que declarou não conhecer o Michu. Aí, os jornais ingleses não demoraram em estampar: Nice to Michu.
Edu: Se Ferguson não conhecia, imagina o Felipão, então? Quero ver se o Michu estará por aqui na Copa das Confederações. Se bem que, se o Brasil chegar a enfrentar a Espanha, o menor dos problemas será o tal Michu.
Carles: É possível que ele entre na próxima convocação, algo já esperado na última. Mas o Marquês é contemplativo e não gosta desses arroubos, prefere manter o grupo e aos poucos ir introduzindo novidades. Mas não chega a ser injusto. Se ele ouvir a galera, acredito que nas próximas convocações vai ter Michu vestindo ‘la roja’. ‘El niño’ que se cuide.
Edu: Por aqui, continuamos preferindo enfrentar 'el niño' Torres, mais inofensivo do que nunca. Aliás, qualquer hora precisamos tentar explicar aqui o que aconteceu com esse cara.
Carles: Posso explicar quando quiser.
Edu: Amanhã, então...


 


terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Momentos decisivos para Kaká

 
Carles: Quero falar do Kaká, do seu ressurgimento, sem falar do Mourinho. Somos capazes?
Edu: Acho difícil.
Carles: Vamos tentar falar de futebol só, portanto, sem Mourinho,
Edu: Primeiro, ainda tenho muitas dúvidas sobre esse ressurgimento. Uma partida razoável na semana passada contra o Rayo, depois um gol marcado contra o Depor, que está no bico corvo. Será que é suficiente para falarmos em ressurgimento?
Carles: Por enquanto, apareceu a pontinha do iceberg e são dois jogos bons em sequência.
Edu: Kaká continua sendo um cara muito querido por aqui. Temos a tendência de ser condescendentes com ele, porque é boa pessoa, tem caráter e todo mundo acompanhou o sofrimento por que ele passou. Existe uma pressão tácita para que ele volte com tudo à Seleção e lidere o time de garotos, Neymar, Oscar. Estamos exagerando?
Carles: Exagero é querer que ele seja líder, se esperam isso dele por aí, esqueçam. Outra coisa é que ele seja um norte para o jogo, uma referência. E um grande reforço técnico.
Edu: Acho que ele pode ser um líder técnico, sim. Como aliás já foi na Seleção e até no Milan. Todo mundo sabe que ele não tem personalidade de líder, mas pode ser o condutor técnico tranquilamente. Só que as dúvidas ainda são muitas sobre até onde ele pode chegar. Talvez esses jogos contra Barça e Manchester sejam uma espécie de exame final, a hora da virada.
Carles: Sou dos que mais questionam o Kaká, principalmente pela sua personalidade, mas algo me diz que esses jogos vão ser mesmo decisivos para o resto da carreira dele, principalmente contra o Barça. Se ele conseguir ser importante nesse jogo de hoje e também no fim de semana, e dependendo das condições físicas dele, pode dar um giro positivo na carreira. O jogo contra o Manchester provavelmente, se o Madrid fracassar, vai afetar menos cada uma das figuras do time ou do clube. E se houver um duplo fracasso nem sei se haverá mais clube.
Edu: Isso se o cara - aquele que prometemos não citar o nome - colocar ele para jogar.
Carles: Vai por, quer apostar?
Edu: Não quero não.
Carles: “Esse cara” perdeu ou entregou o comando, definitivamente. É visível... Bom, pensando bem, você pode ter perdido a chance de ganhar uma grana, no Madrid tudo é possível.
Edu: Também tenho muitas restrições sobre o jeitão do Kaká. Bom menino demais, bonzinho demais, religioso demais. Mas uma coisa é preciso ser dita sobre o episódio com o português: ele foi um exemplo de comportamento digno. O Portuga fazendo de tudo para humilhar o cara, repetindo várias vezes que não contava com ele, excluindo até do banco, e o Kaká ali firme, sem abalos, sem nenhuma queixa. E o luso apertando o torniquete, inconformado que o cara não reagia como qualquer boleiro reagiria. Se depois de tudo isso o cara ainda conseguir jogar, merece ainda mais respeito.
Carles: Olha, o português costuma partir para a abordagem ao poder lá por onde ele passa. Desafia e põe à prova a autoridade dos dirigentes para tentar impor as suas regras. Com o Florentino foi principalmente com o Kaká, para mostrar quem é que manda, já que o brasileiro foi contratação da presidência. Só que sobrou para o pobre Izecson.
Edu:  E se tudo se confirmar e o Português cair fora, a turminha desprezada por ele ganha força, com Iker e Sérgio Ramos puxando a fila.
Carles: Iker e Ramos estão só à espreita. Em compensação, Pepe e Coentrão, por exemplo, terão os dias contados no clube “blanco”.
Edu: Como diria meu sogro, 'ni falta que hace'.
Carles: Sábias palavras.
Edu: E no caso do Coentrão, o Madrid deixará de jogar pela janela seis milhões de euros ao ano. Com todas as reservas e a insistência nessa pose estigmatizada pelo ‘bom mocismo’, ainda torcemos muito pela Kaká por aqui. Seria legal ver o jogo dele hoje no Camp Nou, na semifinal da Copa. Mas ainda acho que o Luso vai de Di Maria.
Carles: Ele anda às turras com ‘el fideo’, hein? Outro dia quase entra em campo para puxar a orelha do argentino. A minha conclusão é que ele não escala, exclui.
Edu: A menos que o Coronel Mendes dê um telefonema estratégico. Aí então, pelo bem da firma...
Carles: Ah, tem essa.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Boleiros politizados (II)


Edu: Não é por acaso que a Itália joga suas luzes sobre personagens controversos do futebol. É uma vocação daquele país. Só mesmo na terra de Berlusconi poderia haver figuras como Paolo di Canio e Christian Abiatti, fascistas convictos que não têm problema nenhum em reconhecer isso. O curioso é que o pessoal do outro lado se manifesta bem mais raramente. A esquerda do futebol ainda é meio envergonhada na Itália.
Carles: Personagens que, na verdade, se bem são manifestos defensores da linha ideológica fascista, atuam como provocadores ao estilo dos neonazistas que agridem verbal e fisicamente os emigrantes no metrô. Cutucam justamente para produzir uma reação agressiva. Não acho que ninguém com ideias progressistas tenha esse tipo de propósito.
Edu: Aliás, há um foco de resistência, sim, e bem famoso. É o Cristiano Lucarelli, comunista de carteirinha, que ajudou a fundar a Brigate Autonome Livornesi, os ultras de esquerda do Livorno, o que transformou os jogos entre Lazio e Livorno e um debate político dentro de campo e uma guerra fora. Enquanto Di Canio comemorava os gols fazendo o cumprimento fascista, Lucarelli elevava o punho fechado.
Carles: Lucarelli jogou no Valencia, chegando a ganhar uma Copa del Rey e una Intertoto.
Edu: Num jogo da Seleção Italiana Sub-21, comemorou um gol mostrando a camiseta com a figura de Che sob a camisa da Itália... Foi uma saia justa geral para a conservadora comissão técnica da Azzurra.
Carles: O ambiente do futebol, permanentemente cercado pelo clima ufano e épico, provavelmente propicia essa confusão de ideias entre bandeira, a gloriosa defesa das cores e da pátria. O conceito de seleção nacional, por mais que você não goste da idéia, está associado à formação de hordas, linhas de comando e de “defesa” da honra nacional, pela pátria e até a morte. Verdadeiros absurdos! Não só a comissão técnica da Azzurra é conservadora. Talvez seja em maior dose, até por uma tradição histórica, mas não é a única. A recusa do glorioso Oleguer, sobre quem já falamos aqui, de servir seleção espanhola não era só uma mostra de fidelidade ao território catalão, mas a negação dos valores nacionalistas centralizadores e opressores.
Edu: Mesmo assim, acho que a Itália tem um traço especial, até para a gente ter uma visão exata de como funcionam ali os boleiros politizados. As cargas de dramaticidade são muito maiores naquele país, dão um tom mais escandaloso. Di Canio, o mais simbólico jogador fascista dos tempos modernos, também ficou famoso por dar um exemplo de fair play, quando jogava pelo West Ham. Em uma partida contra o Everton, vendo que o goleiro adversário estava caído, recebeu uma bola e se recusou fazer o gol. Foi aplaudido de pé, cumprimentado pelos adversários e, mais tarde, virou herói da Fifa.
Carles: Moralismo estilizado é senha conservadora.
Edu: Em compensação, inspirada pelas arruaças políticas de Di Canio, a torcida da Lazio decretava 'Morte a Lucarelli' a cada confronto contra o Livorno. Isso é Itália.
Carles: A Lazio talvez tenha concentrado a máxima intolerância racista por metro quadrado, não? Mas não podemos esquecer de Cannavaro, Buffon…
Edu: Sim, a Lazio era o time do coração do Duce. Tem também o Abiatti, que jogou por aí (no Atletico de Madrid). Foi outro que confessou publicamente suas simpatias fascistas. Mas procurou dar uma entrevista politicamente correta, dizendo que defendia, na verdade, as mensagens de patriotismo e de amor aos valores do povo italiano que vinha da época de Mussolini. Fez a ressalva que nunca foi a favor das atrocidades nem da aproximação com o ideário de Hitler. Virou um símbolo light da direita...
Carles: Exatamente, ele saiu o armário e confessou suas predileções, mas as convicções de Abiatti confirmam essa confusão entre valores nacionais e o pensamento ultradireitista e que estão muito mais ligadas à intolerância propagada do que a uma consciência política. A linha é tênue e se rompe com facilidade à mínima tensão.
Edu: De qualquer forma, estamos falando de um país peculiar também no futebol. As demonstrações de orgulho nacionalista se misturam com as facetas de corrupção que tem marcado o calcio. É uma promiscuidade política que permite o surgimento de fraudadores internacionais como o Luciano Moggi, aquele que elaborou todo o processo de entrega de jogos, árbitros corruptos e apostas ilegais desvendado na década passada. Sem falar no Berlusconi, que a rigor criou uma doutrina administrativa seguida à risca por seus pares, no futebol e fora dele.
Carles: Por que, você acha incompatíveis a defesa dos valores nacionalistas e a corrupção? É provável que historicamente até caminhem juntos. A minha sensação é que a defesa extrema de símbolos etéreos como hinos, bandeiras, brasões formam parte de uma cortina de fumaça que pretende esconder a fragilidade de estados centralizadores e, por isso, muito distantes dos cidadãos. Daí minhas restrições aos palácios guarnecidos por leões da zona dos Ministérios em Madrid, por exemplo. Prefiro a vida dos centros sociais ‘del pueblo’, onde se cozinha a legítima vida cidadã e busca-se preservar sua identidade.
Edu: Não acho nacionalismo e corrupção valores incompatíveis, de jeito nenhum. Mas não precisam ser tão descaradamente como no caso da Itália. Por aqui temos tudo isso e uma dose generosa de nacionalismo também, mas não com o requinte e a carga de dramaticidade dos italianos - coisas que vocês também têm na Espanha. Mas sobre os boleiros politizados daqui falamos no próximo episódio.

Lucarelli e o Che:


O polêmico Paolo Di Canio:

A linha tênue entre a isenção e o descalabro


Carles: Normalmente, na hora do meu almoço vejo um programa da TV daqui, Deportes Cuatro. Apresentadores simpáticos, grande audiência, mas que pouco a pouco transformou-se num espaço publicitário, chegando ao ponto de dedicar a maior parte do tempo às ações promocionais das estrelas, sobre tudo Cristiano (inclusive os bastidores das filmagens). Nesta semana, o cúmulo foi levar ao ar "um dia normal na vida de Jorge Mendes”, o superagente luso. Press release descarado. Deu nojo. Como anda minha querida imprensa esportiva auriverde às portas de grandes eventos esportivos?
Edu: Sou suspeito para analisar porque me desiludi faz tempo. Mas, para ser econômico, e não generalizando, uso poucas palavras sobre a imprensa esportiva: nada isenta com o que é de seu interesse e incendiária quando lhe convém.
Carles: Por aqui, insisto no personagem José Ramón de la Morena, a voz mais ouvida do rádio esportivo espanhol, de quem já falamos outro dia. Começou como dissidente do programa do José Maria Garcia e de ex-colaborador passou a detrator, adversário ideológico do discurso rançoso de Garcia, este alinhado com os regimes mais autoritários. Hoje, não consegue manter-se neutro quando fala de esportistas fora do eixo de Madrid. Juraria que ouço ele ranger os dentes quando  menciona esportistas ou dirigentes das zonas catalã e basca, principalmente aqueles que defendem ideias de autodeterminação. Você com a sua maior experiência desde dentro dos meios, pode me esclarecer ou augurar certa esperança?
Edu: Huummmm, o cheiro é parecido com alguns que se julgam primadonas da imprensa esportiva por aqui. E não são poucos. A vantagem é que a internet, as redes sociais e outros meios pulverizaram tanto essas personalidades distorcidas que, agora, elas falam apenas para suas turminhas, temos como cotejar ideologias. Não há mais monopólio como antes e há muitas formas de seu buscar opiniões diferentes. Eles vivem de cruzadas pessoais e levam a cambada que faz claque junto nessa empreitada.
Carles: Que bom que existe esperança, pelo menos em um novo meio, apesar de que, muitas vezes, os grandes meios, como formadores de opinião, acabam transformando-se num modelo demasiado influente inclusive para as vozes da internet. Sinto que esses mecanismos funcionam forjando a opinião dos mais incautos (de repente, todos querem a cabeça de um político não porque ele foi um sem vergonha a vida toda, mas por haver perdido o apoio dos grandes grupos de comunicação) enquanto entre os mais críticos acabam criando um sistema de detecção tão afinado que viram incrédulos compulsivos e enxergam conspiração mesmo onde não existe. É claro que o problema não é só de emissão, mas de falta de um desenvolvimento crítico do lado de cá. Não existe uma responsabilidade, um código de ética que prevaleça sobre os interesses dos grandes grupos?
Edu: A trajetória das campanhas supostamente de moralização no esporte - como na política - está forrada de episódios assim. Depende do jogo de interesses, depende dos interesses de quem denuncia, depende das relações pessoais de interessados e não interessados. No fim, nada é transparente e quem tem a obrigação de ser isento também dá suas escorregadas - e se tornam cúmplices. Às vezes involuntariamente, às vezes não. O público percebe algumas coisas, mas separar o que presta do que não preta é tarefa para um arqueólogo. Diria até que este meio pelo qual trocamos estas ideias também entrou na roda. Em troca de um punhado de acessos, que podem significar a diferença entre estar ou não empregado, o sujeito escreve qualquer coisa, defende qualquer tese. Não pondera, não cita fontes, não disfarça seus interesses.
Carles: Então, quanto à esperança, justinho, justinho, não? O blog independente, se é a provável base de uma futura reestruturação informativa, passa pela necessidade de recursos tecnológicos nem tão populares e por isso, por enquanto, é elitista. A velha discussão de se o meio digital é inclusivo ou excludente. Fico pensando se a informação plural é direito de poucos ainda. E, entre esses poucos, boa parte talvez nem tenha interesse em que seja realmente plural.
Edu: A esperança que você pode alimentar é que há sempre gente boa e competente em qualquer círculo. Sempre haverá. Esses nunca desistirão e vão segurando a onda, enquanto os canibais dividem as presas. Só digo que o bom mesmo é não ter chefe, né Carlão?
Carles: Descobri isso faz tempo.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Emboscada tecnológica para os senhores da Fifa

 



Edu: A Fifa, quando se trata de regras do jogo, tem uma cautela que contrasta com a agressividade com que fecha seus acordos publicitários - é terrivelmente lenta para reagir. Essa história de que o futebol vive da polêmica alimentou os argumentos do pessoal da Suíça durante décadas, como antídoto a quem defende o uso da tecnologia para deixar mais transparente a aplicação das regras. Aí veio a Copa da África e derrubou tudo, principalmente por causa do famoso gol do Lampard que não valeu, contra a Alemanha. Então a Fifa descobriu que quatro olhos enxergam mais que dois e colocou mais um árbitro em cada linha de fundo. Veio a Eurocopa de 2012 e o tal árbitro da linha de fundo não viu um gol claríssimo da Ucrânia contra a Inglaterra. E então...
Carles: A polêmica como atrativo é desculpa esfarrapada, sabemos disso. Também é fato que os velhinhos da Fifa resistem-se às mudanças. Mas, em matéria de dirigente conservador, dizem que Platini (presidente da Uefa) faz o Blatter parecer uma Pussy Riot. Monsieur Michel seria um dos mais resistentes a mudanças que parecem irreversíveis.
Edu: O fato é que agora decidiram que a Copa das Confederações e a Copa de 2014 terão a tecnologia da linha do gol, o tal 'olho de falcão', sistema de câmeras que já funciona no tênis. É um sistema de implantação bastante cara, mas inevitável nestes tempos. E o simpático Platini, que obviamente esbravejou, justificou sua resistência dizendo que 'um gol não vale tanto dinheiro'.
Carles: Está claro que o Platini tem um escorpião na carteira. Agora, inclusive, as condições econômicas dão certa razão a ele. Mas o principal meio de arrecadação dos clubes segue sendo a televisão além de principal ponto de discórdia: todos os fins de semana os telespectadores vem um jogo e os presentes no estádio, incluindo juiz e auxiliares, outro. É querer fazer o ridículo. O ‘challenger’ ou ‘ojo de halcón’ acrescentou um espetáculo paralelo e bem emocionante. A torcida acompanha a repetição e volta a vibrar com a jogada. Volta a torcer, aplaude. Acho genial. E o fato de regulamentar os pedidos de verificação faz com que se criem critérios, dosificando e aumentando a importância da estratégia.
Edu: A repetição detalhada de imagens é um recurso que os esportes americanos usam com naturalidade há tempos e já foi incorporado na própria dinâmica do jogo. Um torcedor hoje nem se incomoda de ter que ver interrompida a ação do jogo, desde que a regra seja cumprida.
Carles: É a sensação de justiça para quem saiu de casa, tomou chuva, vento, custou para estacionar para ver seu time. Nem toda evolução passa necessariamente por dispendiosos e mirabolantes recursos tecnológicos, os famosos sprays dos árbitros brasileiros são muito admirados por aqui. É um recurso criativo.
Edu: Ao mesmo tempo, a Fifa estará criando um problema sério, que talvez tenha sido a razão de tantos anos de resistência à modernidade. Com esse precedente, digamos, 'jurídico' do uso da tecnologia, como ficam as outras jogadas polêmicas? E os impedimentos ajustados que decidem jogos? E o toque de mão sorrateiro que resulta em um gol decisivo, como o de Henry contra a Irlanda nas eliminatórias da Copa de 2010, que levou a França para o Mundial, eliminando os irlandeses?
Carles: Para o toque de mão, proponho uma junta de psicólogos para julgar se houve intenção ou não (não é o caso do Henry). E a lei do impedimento, convenhamos, precisa de uma reestruturação, é muito subjetiva e arcaica, o Futsal já deu exemplo. Ou isso ou a solução segue sendo mesmo o recurso audiovisual, instrumento utilizado com toda a comodidade pelos comentaristas e que poderia ser utilizado ao vivo, como parte do jogo, uma espécie de tira teima. O problema volta a ser o custo de implantação proibitivo para muitos, a curto e médio prazo. Mas os grandes patrocinadores e as grandes empresas não têm problema de dinheiro, vamos ter que passar o chapéu.
Edu: Até concordo com você sobre mudanças estruturais que tornem a regra menos subjetiva. Mas a tecnologia para lances corriqueiros, que acontecem quatro ou cinco vezes por jogo, pode ser um desastre para os atrativos básicos do futebol - ritmo, clima de tensão, dinâmica. Um gol duvidoso, se a bola ultrapassou ou não a linha, é fato raro e pode ser resolvido facilmente com a tecnologia. Mas a tecnologia em lances comuns transformariam uma partida de futebol numa novela interminável, uma chatice.
Carles: Neste caso, só vejo uma saída, a volta da honra ao campo de jogo. Lembra no futebol de rua quando a gente resolvia tudo sem juiz mesmo? Parece impossível, mas a verdade é que nada mais passa desapercebido. Mais cedo ou mais tarde, a gravação de imagens realizada desde uma dúzia de pontos do estádio vai mostrar que o jogador tentou enganar todo mundo. No fundo é uma questão moral da sociedade que premia a esperteza, por cima da honradez.
Edu: Aí já entra no departamento de sonhos. Honra nesse ambiente? Em todo caso, os velhotes da International Board é que têm que encarar essa confusão. Vai haver confusão, seguro que vai. Eles que se virem, ganham bem pra isso.

 
  O gol de Lampard contra a Alemanha que não foi:  
   

TV francesa debate o gol da França  contra a Irlanda, com mão de Henry, pela classificação para a Copa 2010 e o uso da tecnologia: 
 

O célebre lance do “no me jodas Rafa” durante o Zaragoza-Barcelona de 1996:
 

Como os ucranianos viveram o lance em que John Terry tirou a bola de dentro da meta inglesa: