Carles: Na sexta-feira, antes do início da rodada de final de
semana de ‘la Liga’, alguns órgãos de comunicação, talvez por falta de assunto,
perguntavam: onde joga o melhor Iniesta, no meio ou na frente? O que vocês
acham do Iniesta por aí? Entendem que ele pode ser um dos destaques da próxima
Copa?
Edu: Pode não, será. Até o Messi pode estar em seus dias
ruins, Neymar é extremamente irregular, Cristiano Ronaldo também tem suas fases
de baixa (se é que Portugal virá). Iniesta? Por favor... O pior Iniesta é
sempre uma atração, será um destaque mais do que especial, obrigatório. O
Brasil do futebol real adora o Iniesta.
Carles: Essa discussão sobre o melhor posicionamento me fez
pensar sobre os pontos do campo, e não necessariamente os jogadores, desde onde, ao
longo a história, se "fabrica" futebol. Na ‘Roja’, por exemplo, o
Xavi foi consagrado nessa função de alimentar os atacantes desde a linha
intermediaria, ou o Xabi Alonso, um jogador normalmente posicionado mais atrás
e acostumado aos passes parabólicos, longos e com alguma precisão. Mas observo
que Iniesta além da classe e sutileza natural do seu jogo, demonstra uma quase
exclusiva modernidade, seja como teórico ponta esquerda (hoje, ala) ou pelo
meio, sempre busca encontrar o espaço ideal para esse trabalho.
Edu: A análise do Iniesta é bem diferente da do Xavi e
talvez por isso eles se completem tão bem. Xavi só faz o que existe de mais
simples no futebol, mas com perfeição - o passe, o chute colocado, a associação
com um colega em apuro, a infiltração sorrateira. Tudo muito simples. Iniesta
consegue unir simplicidade e sofisticação ao mesmo tempo. Não é veloz, mas tem
explosão – ‘cambio de ritmo’ como vocês dizem. Não é artilheiro mas é decisivo.
Não chuta forte, mas marca gols de qualquer lugar do campo. Tudo com uma fineza
extrema de movimentos; E sobre esse problema dos espaços: ele precisa de
espaço, como qualquer craque, mas, se não tiver, ele se vira do mesmo jeito,
esteja certo. Essas virtudes projetadas em um time entrosado compõem a química
ideal.
Carles: Pode parecer uma heresia, mas ao ver o Andrés, é
inevitável recordar alguns ídolos da juventude, meio-campistas como Gérson ou
Rivelino, muito mais estáticos em campo, especializados em explorar, com a
precisão de seus passes longos, a previsibilidade das defesas em "linha
burra". Por isso, além da inegável qualidade, o jogo do Andrés chama a
atenção pela flexibilidade, pela capacidade de adaptação às circunstâncias da
partida, pela autonomia responsável dentro da equipe. Os antigos "armandinhos",
brilhantes para a época, muito mais ao feitio do quarterback, ainda seguem sendo um modelo para alguns, mas na
essência e não no estilo, o Iniesta é o Rivelino de hoje.
Edu: Essa associação com os armadores clássicos se encaixa
principalmente na questão da visão de jogo. A diferença é que Iniesta é tão
prático em algumas coisas, e tem reações tão precisas, que faz o futebol
moderno parecer antigo, no melhor dos sentidos. Imagine se ele tivesse o chute
do Riva? Ou o preparo atlético do Cruyff? Não, nem precisaria. Ele não seria o
Iniesta.
Carles: Você falou da condição física, talvez seja o grande
problema dele, a frequência de contusões sobretudo as musculares, porque ao ser
esse espírito livre do futebol, é possível que não pensou em preparar-se
fisicamente para os tempos que correm no esporte de alta competição. Aliás
alguns os jogadores sul-americanos de qualidade quando chegam à Europa tem que
se reforçar no aspecto físico e invariavelmente isso implica uma necessidade de
readaptação do seu jogo. Não me refiro à readaptação tática que isso é uma
obrigação. O que me interessa é averiguar qual é a cota de fracassos que se
deve a esse imposição. E imagino que nós estamos perdendo a chance de ver a
evolução de uma grande quantidade de talentos.
Edu: É o receio que muitos têm aqui quanto ao Neymar. Ele
vai segurar a onda na parte física? Ficar forte será prioridade para ele ou
para o time que o contratar? Ficar forte vai significar perda de qualidade
técnica? E, por fim: ele precisa mesmo ficar forte?
Carles: Essa última é a questão central, como apreciador do
bom jogo também tenho dúvidas quanto a essa necessidade de fortalecimento
excessivo, mas temo pelo jogador que não esteja minimamente protegido.
Edu: Eu já acho que ele tem que encarar. Quer ser grande?
Quer ser Ronaldo Fenômeno? Sonha em ser o melhor do mundo? Então, que encare
essa parada, que enfrente as feras. E brigue por manter suas características.
Ou então fique por aí fazendo um monte de gols no Botafoguinho de Ribeirão. Com
todo respeito.
Carles: Uma última coisa sobre a tentativa de preservar o
romantismo no futebol através da figura simbólica do Andrés diz respeito à
personalidade dele, o bom moço tem lugar nesse futebol? Quem sabe tenhamos que
reconhecer que o xerifão é um mal necessário para que os espíritos livres
possam seguir nos deslumbrando…
Edu: A propósito, a tal discussão da mídia mediterrânea
sobre onde é o melhor lugar para o Iniesta tem uma resposta fácil: no meu time.
Carles: Por cima dos cadáveres de milhões de ‘culés’ do mundo
inteiro.
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