Edu: Amigos que trabalham com
futebol e me encontram de vez em quando me fazem sistematicamente a mesma
pergunta, sabendo de meus vínculos com a Espanha: como os dois times de futebol
mais ricos do mundo estão em um país com um quarto da população desempregada e
com uma economia raquítica? Como se eu soubesse a resposta.
Carles: Primeiro, acho que todos
deveríamos renovar nossos conceitos socioeconômicos. Nada é tão definitivo.
Deveríamos deixar de confundir fronteiras com fundos de investimento e bancos,
para o bem de todos. Deveríamos tentar identificar com clareza tudo isso. Dito
isso, tentemos analisar a questão do esporte e do seu financiamento mais de
perto.
Edu: Começou muito hermética essa
resposta, mas prometo me esforçar para entender.
Carles: E eu, vou me esforçar para ser mais
mundano.
Edu: Vamos lá...
Carles: Os sistema político se
corrompem, vendem-se a interesses particulares e levam os países à bancarrota. Essa
história estamos fartos de conhecer. A sociedade, pelo jeito, está obrigada a responder e
enfrentar as consequências como coletivo mas isso não implica poder usufruir de
eventuais benefícios. É coisa para poucos. Se a Caja de Ahorros (Caixa
Econômica) del Mediterráneo vai à falência respondemos todos, mas se o Real
Madrid, através de um golpe que envolve seus próprios dirigentes, consegue que
a cidade de Madrid requalifique os terrenos onde estão instaladas as suas
dependências esportivas, vende para a especulação imobiliária e se transfere
para outro local periférico - mais desvalorizado e com isso gera um tremendo
lucro -, certamente isso não repercute a toda a sociedade porque, claro, é uma
instituição privada. Fui um pouquinho mais claro?
Edu: Suponho então, no caso do Real
Madrid que a fortuna galáctica vem de uma operação espúria no mercado
imobiliário por parte de seus dirigentes? Isso bastou para ser o time mais rico
do mundo? O presidente Florentino Peres já não era rico? O clube já não era
riquíssimo antes de Florentino? Responda sem o seu viés catalão, porque
torcedor do Barça falando do Real sempre termina em boletim de ocorrência...
Carles: Sim, na primeira gestão, e
por isso é que perdoam todas as cagadas esportivas ao Florentino. Já sei qual a
sua próxima pergunta: e o Barça?
Edu: ... é uma ilha de honestidade?
Carles: O Sandro Rosell (presidente) vocês conhecem
bem. Trabalhou numa multinacional no Brasil, com tantas suspeitas em seus
negócios que tornou impossível a convivência, na mesma
frase, do próprio nome com a palavra honestidade. Não é uma ilha de honestidade nem muito menos, mas existe uma convicção
no Barça, muito além da realidade, fundamentada na auto crença de uma ética que
eles mesmos proclamam como muito mais que um clube, referindo-se à representação
da cultura catalã. Isso, quer queira, quer não, cria um compromisso institucional.
Muito diferente da base moral que permeia a conduta do Real Madrid. Não digo
qual é melhor, mas, qual dos dois demonstra maior solidez - o Barça, sem
dúvida.
Edu: Opa, opa, opa! Parece o
presidente da Generalitat discursando. Eu diria que é uma análise nada isenta.
Carles: Provável, acredito mais na
filosofia ‘culé’. Está mais ligada ao meu sangue, imagino. Posso estar errado
ou comprometido, mas de uma coisa tenho convicção: dos pecados do Real Madrid.
Outro que venha e fale dos pecados ‘blaugranas’, não sou capaz, hehehe. Admiro
a instituição que, parece, sobrevive à governança do Rosell.
Edu: Provocação à parte, não é
possível que você não leve em conta que o Real Madrid, o presidente Florentino
e sua turma, e toda a comunidade espanhola que torce por aquele clube, sem
necessariamente viver em Madrid, também fazem parte de uma instituição, cujos
valores eles cultuam e prezam. E nem sempre têm visões ideológicas parecidas
nem comungam da corrupção que, segundo você, é o que move aquele clube.
Carles: Os "aficionados
merengues" merecem respeito, mas a história de favorecimentos ao clube se
arrasta desde os tempos franquistas e isso é sabido. Se tivessem tido a mesma
oportunidade, os sócios do Barça teriam feito a mesma coisa? É possível. E também
é possível que o curso da história tivesse sido outro. O vitimismo de catalães
e bascos durante o franquismo sem dúvida, afastou-os do poder, da prepotência, tornou-os mais combativos e críticos e esse pode ser um dos motivos. Mas seria
leviandade tentar fazer uma análise tão importante em poucas linhas. Assim
mesmo, permita-me tentar evitar o maniqueísmo de insinuar que os do Madrid são
os bandidos e os do Barça, os mocinhos. É óbvio que não é tão simples.
Edu: Agora não dá mais tempo. Já
insinuou, já falou, não adianta mais. Tocar no assunto franquismo já basta. Projetando
para o futebol, é Guardiola contra Mourinho, Puyol contra Pepe, Messi contra
Cristiano - mocinhos contra bandidos.
Carles: Então o maniqueísmo está na
associação ou desassociação com o tirano? É nossa obrigação pensar assim.
Ditaduras nunca! A gente sempre enxerga essas páginas da história como algo absoluta
e totalmente negativo. Os defensores, procuram encontrar justificativas, como
por exemplo, melhora de índices econômicos, crescimento industrial, etc. Ambos
sabemos do que estou falando.
Edu: Sabemos bem... E eu que pensei
em fazer uma pergunta singela lá no início.
Carles: Singela para um cidadão que
mora num país com os dois clubes mais ricos, com a seleção campeã do mundo e do
continente, numa economia débil e um dos mais altos índices de desemprego? Acho
que já vivi isso em outro tempo e em outra latitude
Edu: Carlão, o Generalíssimo foi um
câncer para toda a Espanha, como nós tivemos os nossos tumores por aqui. Várias
gerações sentiram na pele a fúria da ditadura franquista, não importa onde as
pessoas viviam na época. Temos parentes que morreram de norte a sul. O país
virou um banho de sangue. Quem viveu em Madrid sofreu igual e sofre até hoje,
porque o madrileno foi estigmatizado. Ou não? Não é possível ter essa visão
reducionista de ver o Real Madrid como a síntese de um ditador que promoveu uma
carnificina.
Carles: Não me refiro ao sofrimento,
mas à sua percepção. É diferente em cada canto do território espanhol.
Edu: Ok, é suficiente. Pensei em
responder aos meus amigos que o Real Madrid e o Barça não são, na verdade, a
cara mais autêntica do futebol espanhol, e sim o Zaragoza, o Depor, o Gijón e
sei lá mais quem que está à míngua com a crise financeira. Mas acho que não vou
dar mais essa explicação. É muito frugal depois da sua longa pensata.
Carles: Coisa de espanhol. Você
pergunta que tal?, e ele explica!!!!!!!
Edu: Vou lembrar disso...
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