Carles:
Se você fosse o Roura, técnico interino do Barça, qual seria sua tática para
abrir a lata do Milan? Porque, suponho, os italianos vão jogar para não tomar
gol e são especialistas nisso.
Edu:
Estarão jogando contra o Barça, têm um time com bem menos recursos técnicos e
podem até perder por 1 a 0. Compreensível que os italianos joguem para
defender. Acontece que se defenderam em Milão e souberam beliscar uma coisinha
lá na frente, no que também são especialistas. O problema é a falta de punch do Barça nos últimos jogos.
Ninguém imaginaria ver o Barça sem pegada. É essa a missão do plácido Roura,
recuperar o punch, o espírito.
Carles:
Então você entende que a estratégia defensiva pode ser uma legítima proposição
de jogo, dependendo das circunstâncias? E dependendo da pegada do adversário
não é infalível? É o que tem acontecido nos últimos clássicos paulistas, sem
gols, o requinte tático está prevalecendo?
Edu:
É uma proposição legítima porque ganha jogos. E campeonatos, infelizmente. E
não é infalível, claro, felizmente. Tivemos dois clássicos seguidos aqui em São
Paulo que ficaram no 0 a 0. É certo que as circunstâncias são muito outras. É
um campeonato regional, não um mata-mata da Champions. Mas vimos um jogo tático
com marcação dinâmica entre Corinthians e Santos e um jogo tático com marcação
passiva entre Palmeiras e São Paulo. A desculpa para este último é que os dois
técnicos estão ameaçados. Mas o torcedor em geral e a mídia chamada de especializada
não gostaram de nenhum dos dois, o que é compreensível.
Carles:
Voltemos ao Barça como modelo de futebol ofensivo e os possíveis antídotos. O
ano passado foi o Chelsea com uma situação semelhante à deste ano. Disseram que
os ingleses (mais italianos que nunca) tinham colocado o ônibus na frente do
gol para garantir a classificação. Mas em teoria era um Barça ainda ambicioso e
com pegada. Será que em ambos os casos não faltou um pouco de humildade e
sobrou uma certa prepotência para reconhecer que era preciso um plano B?
Edu:
Diante de tudo o que o Barça fez nos últimos anos é até natural uma certa
prepotência. Não dá para culpar esse time por isso. O que ficou fora do
planejamento foi o possível esgotamento do modelo. É aí que entra o plano B.
Mas o plano B não seria contrariar as raízes e montar um esquema defensivo mais
eficaz? O Barça estaria nessa situação se não tivesse uma defesa tão
vulnerável?
Carles:
Eu não propus em nenhum momento abdicar ao modelo, mas aos poucos torná-lo mais
flexível, sob o risco de a revolução precisar de uma contrarrevolução. Nem acho
que o erro tático tenha sido de San Siro, apesar do jogo medíocre. Aconteceu e
agora é o momento de demonstrar que eles próprios não são seu pior inimigo.
Existem boatos de que vão jogar com três zagueiros para liberar os dois
laterais e prevenir os contra ataques, já que a defesa possivelmente não tenha
que vigiar mais do que dois atacantes adversários. Acho muito pouco. Se o
objetivo é "ensanchar el campo", Tito/Roura deveriam sair com dois
pontas e permitir ao Iniesta trabalhar mais desde o centro. Deixar o Andrés
esquecido lá na linha lateral é um luxo a que eles não podem se permitir hoje.
Edu:
É pouco sim, bem pouco. Mesmo porque os italianos estão acostumados a jogar
contra times assim. Acho que é mais uma questão de postura do que nomes ou
posições. Não tem nenhum jogador que será um revulsivo além dos que estão aí e
são, no geral, excepcionais. A questão é de se propor ao enfrentamento, à
pressão o tempo todo, controlar e agredir. O Barça, pela qualidade que tem,
vencia tudo de forma muito natural. Agora ninguém permite que seja natural. Até
o Depor deu uma engrossada básica no sábado. Insisto no problema de falta de
espírito, só não vejo o Roura como o cara que vai promover isso.
Carles:
Recuso-me a reconhecer que o futebol profissional dependa tanto de entusiasmo
ou espírito. É incompatível com os compromissos financeiros adquiridos. Tem que
decidir, ou voltamos ao bom e velho amadorismo ou o tal espírito tem que estar
sempre presente na hora do jogo. E não vale dizer que são seres humanos,
sujeitos e influenciados por outros fatores. Por isso reluto em atribuir a
baixa forma do Barça ao tal espírito, ou à não presença do paizão. Tito não faz
o gênero entusiasta, ele é mais bem uma pessoa sonsa. Se fosse assim, o
Yustrich teria sido campeão de tudo.
Edu:
Espera aí, não precisa apelar. Yustrich!!! E é bastante ingênuo da sua parte
achar que o espírito não influencia. Por favor... A execução tática e a precisão
técnica dependem diretamente do estado de ânimo dos caras. Não há
profissionalismo e milhões de euros que neutralizem isso. E o futebol só é o
que é por causa dessa influência e dessa inconstância. Do contrário seria
totalmente previsível e o Barça nunca teria voltado de Milão com aquela
chacoalhada.
Carles:
Influencia sim, mas não deveria ser mais do que dez por cento. Tito e Roura têm
que botar a cabeça para funcionar e não irem para o trabalho como funcionários
públicos, para bater cartão. Revoluções táticas como a do Barça têm que se
renovar diariamente para poder seguir surpreendendo. Quer proteger a defesa?
Bota o Busquets junto com os dois zagueiros, mas se abrir o campo é para
facilitar as coisas pelo meio e aí tem que ter máxima qualidade possível. É o
forte do Barça. Repito, tem que reinventar para poder aproveitar o que eles
construíram. Se a necessidade de fazer gol for solucionada com a colocação do
Villa simplesmente, prometo que desligo a televisão. É muita preguiça de
pensar. Villa ou Alexis, dá no mesmo.
Edu:
Carlão, entenda bem. Nós, brasileiros, mais do que ninguém, fomos vítimas de
técnicos apenas motivadores, paizões. Está aí o pujante Felipão para nos
assombrar mais uma vez. Mas aqui não se trata disso e sim de equilíbrio.
Justamente para sair dessa via burocrática é que o cara precisa mesclar suas
soluções. E é possível trabalhar com dedicação e criatividade tática e ao mesmo
tempo ter sensibilidade para detectar o baixo astral. E agir contra ele. Essa
também é uma função primordial de um treinador que seja líder e especialista
técnico ao mesmo tempo.
Carles:
E você não acha que o entusiasmo é algo demasiado instável para que uma
estrutura tão gigantesca como o futebol de alta competição dependa disso? E
olha que eu sou o primeiro a desfrutar de um jogo de várzea!
Edu:
Não falei que 'depende' disso, falei de 'equilíbrio' entre vários fatores, o
que o Barça, aliás, sempre teve. Mas acho que você está em visível TPD (Tensão
Pré Decisão) para me entender hoje. Conversamos depois do jogo...
Carles: Então falamos mais tarde porque agora tenho que
comer umas quantas unhas.
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