Carles:
Algum leitor andou reclamando do excesso de Barça no 500 a.C. e a ausência do
Corinthians, legítimo campeão mundial. Não sei a sua motivação, mas a minha à
distância é mínima, tendo em conta um torneio descafeinado como o Paulistão. Ou
é uma falsa impressão?
Edu:
O Paulistão não conta, definitivamente. É uma decadência só, pouco mais que uma
pré-temporada. O leitor deve estar se referindo à Libertadores da América...
Carles: As noites mágicas de "Champions"!!!
Curioso que os torneios e campeonatos na América ou têm o problema do decréscimo
de interesse quando são locais ou padecem do grande desgaste que supõe viajar,
seja para disputar o Brasileirão ou os torneios continentais. Talvez o hábito
acabe obstruindo a visão crítica, mas sempre achei que deveria haver uma
solução local, própria, não necessariamente uma imitação dos europeus.
Edu: A
Libertadores cresceu muito nos últimos 10 ou 15 anos e recebeu os óbvios
anabolizantes da mídia e dos patrocinadores para tentar se equiparar à
Champions, o que de certa forma é legítimo se pensarmos que estão competindo os
principais times da América. Mas é claro que há exageros. O que acontece com as
soluções regionais é que já não resistem ao apelo do espetáculo. São poucos
times, a rivalidade cai, vem o desinteresse. O único lado bom, como
contrapartida, é que o futebol brasileiro sabe hoje dar a devida importância a
seu principal torneio nacional, inclusive a Série B. Esse é um fator que
preponderou nos últimos tempos, com relativo aumento sustentado de público. Ainda
longe do ideal, mas melhorando.
Carles:
Mas existe sempre um espírito monumentalista por aí, em detrimento das emoções e
dos valores territoriais. Isso pode determinar o começo do fim de clubes com
características regionais. Nunca esqueço do Almirante Heleno Nunes à frente da
antiga CDB cujo lema era “Aonde a ARENA vai mal, um time no Nacional”, em
referência ao partido do governo.
Edu:
Aqueles tempos eram de completo cabresto. Havia a intenção clara de satisfazer
politicamente algumas regiões e o governo militar abria as portas (e as
comportas financeiras) para tentar ampliar sua base. Essa questão da falta de
apego regional é um pouco esquecida pela mídia hoje, mas o torcedor das
pequenas cidades continua bastante fiel a seu clube local. Há inúmeros exemplos
de luta pela sobrevivência que só terminaram bem porque a população abraçou o
time local. O problema é que, num território deste tamanho, as coisas se
diluem. Além do fato de os pequenos não poderem contar com os instrumentos de
divulgação ideais.
Carles:
As coisas se diluiriam menos se houvesse uma busca da revalorização do local,
se as emissoras de TV por exemplo, em vez de repetidoras , fossem emissoras
autonômicas, a fórmula que deu certo por aqui até virarem instrumento político
de quem governa. Sei que é uma dura batalha, mas por algo se começa. Com
programas de desenvolvimento regional, relacionados com a formação, com as
políticas administrativas e com o esporte, claro.
Edu:
Esse risco de virar instrumento político sempre existe, mas mesmo assim alguma
coisa funciona em nível regional aqui. Os torcedores, bem ou mal, continuam
indo ao estádio ver seu time local, enquanto ouvem pelo radinho o time grande
pelo qual também torcem. Emissoras regionais sempre garantem a transmissão das
divisões menores e a internet melhorou muito essa circulação da informação que
fica longe da grande mídia. O problema será sempre a divisão do bolo, quem
conseguirá se sustentar com os patrocinadores locais e com as pobres cotas
televisivas, quem conseguirá manter um time razoável para sonhar com as
principais divisões. Mal comparando, vocês vivem muito disso aí também, embora
as raízes regionais sejam mais fortes.
Carles:
Na minha última visita ao Brasil, tentei comprar uma camiseta de um clube do
interior de São Paulo que já foi de Primeira mas agora joga na Segundona.
Nenhuma loja de esportes tinha a camiseta do time da cidade! Acabei na
secretaria do clube e o funcionário disse que a situação econômica não permitia
fabricar camisetas além das dos jogadores e que os grandes industriais da
região preferiam patrocinar clubes da capital. Que ele não tinha nem uns
trocados no caixa para fazer uma fotocópia. Moral da história: acabei voltando
sem a camisa, que podia ser uma fonte de renda para o clube. Pelo menos esses
torcedores que você diz que seguem indo ao estádio comprariam. Aliás, acho que
as raízes regionais no Brasil são muito fortes, mas estão adormecidas.
Edu:
Pois é, o problema é que não são tantos torcedores assim que justifiquem uma
política eficaz de marketing. Marketing para eles ainda é um luxo. Nesse ponto,
o futebol do interior é pré-história. Talvez faça falta uma política de estado
voltada nessa direção. Algo gradual, que, mesmo que não resolva já o problema,
ao menos aproveite o prazer e poder de mobilização que o futebol ainda significa
para aquelas pessoas. As demonstrações de apoio aos times locais poderiam ser
melhor aproveitadas.
Carles:
Digo tudo isso porque acredito nos torneios regionais, mas sinto que carecem de
emoção como campeonato. Os picos de entusiasmo são os clássicos, normal por
outra parte, mas se os coadjuvantes fossem medianamente fortes, melhor para o
torneio. O problema é que por aqui vamos pelo mesmo caminho. As ligas estão
destinadas a dois times, os clubes menores perdem força financeira e esportiva
e sentimos falta das velhas "tardes de transistores" (alusão ao termo
"noche de transistores", como ficou conhecido o 23 de fevereiro de
1981, em que as forças comandadas por Tejero invadiram o Congresso dos
Deputados para tentar promover um golpe, que terminou em fracasso) das ligas
que o Dream Team do Barça ganhou mediante uma combinação de resultados na
última rodada. Mas claro, como você diz, faça-se a vontade das marcas
comerciais globais.
Edu:
Sobre esse tema, merece uma leitura especial o capítulo que aborda as tardes de
domingo com radinho de pilha, no livro 'Mitos, ritos y simbolos', de Vicente
Verdu. Eram outros tempos, mas nem sei dizer se o futebol e o torcedor mudaram
tanto desde então.
Carles:
Viva as tardes de radinho. Quantas lembranças!
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