sexta-feira, 15 de março de 2013

Entre ‘locos’, egocêntricos e pragmáticos


Edu: Acompanhei relativamente de perto a trajetória do Manuel Pellegrini, que acaba de levar mais um pequeno, o Málaga, para uma fase madura da Champions, como fez com o Villareal há alguns anos. Vendo o jeito como ele trabalha, as pressões que enfrentou - inclusive no fracassado período de Real Madrid - fico ainda mais impressionado com a falta de qualificação dos treinadores brasileiros.
Carles: Na verdade, eu não considero que tenha sido um fracasso a passagem dele pelo Real Madrid, obteve alguns muito bons resultados, recorde de pontos para o clube na Liga mesmo não sendo campeão. Se tivessem lhe dado as mesmas chances que deram ao Mourinho, estou convencido de que teria ganhado algum título mais que o português. Saiu humilhado do clube depois de fazer um trabalho respeitável, como já tinha acontecido com o Del Bosque. Coisas de ‘la casa blanca’.
Edu: Visivelmente ele não estava cômodo por lá e estamos falando de um tipo de técnico que precisa de um tempo para estabelecer padrões. Sem resultados em Chamartín, não rolou. Mas me admira a forma como ele enfrenta essas situações, longe da histeria cosmética própria dos estrelões  - Mourinho, Ferguson e Rafa Benitez  por aí, Luxemburgo, Dunga, Leão por aqui, para citar os exemplos mais gritantes. É um cara de métodos, mas conhecedor da maleabilidade que o futebol precisa. E sempre dá a impressão de que tem toda a confiança dos jogadores.
Carles: Sabe que o apelido dele é "El ingeniero" né? Bom, basicamente por que foi o que ele estudou no Chile. Mas está claro que ele é pragmático como um engenheiro e convive bem com o ambiente futebolístico, como velho boleiro que é. É um cara extremamente educado. Quando ele foi para o Málaga e sendo o Mourinho já seu substituto no Madrid, o luso simpático disse que nunca treinaria um Málaga, insinuando que seria um prêmio de consolação menor para o demitido. Pellegrini respondeu elegantemente, sem entrar na briga e não dando uma oportunidade midiática ao time de marketing de Mourinho. Será uma ironia se o Málaga desclassificar o Madrid na Champions, este ano.
Edu: Essa disputa entre egocêntricos e pragmáticos, transportada para cá, poderia revelar o enfrentamento desses que citei acima e dos caras que estão neste momento há mais tempo nos clubes que vêm apresentando os melhores resultados no Brasil: Abel no Flu, Cuca no Atlético Mineiro e Tite no Corinthians. Não que não sejam midiáticos, mas não fazem disso o motor de sua inspiração. E são extremamente trabalhadores, no sentido de dedicar-se à concepção e arquitetura dos seus times. Tem também o Muricy, que está há bastante tempo no Santos, mas é tão irregular para se enquadrar em algum padrão de qualificação que não entra neste debate.
Carles: É, tem os que não vivem dos meios, da polêmica, mas que não recusam uma oportunidade para aparecer na TV. No caso do chileno, parece que ele sente-se incômodo com os focos. Outra vertente por aqui é o Bielsa, argentino treinador do Athletic de Bilbao, que dá as conferências de imprensa olhando para baixo. Em nenhum momento olha para a câmera ou para os jornalistas. Realmente, outro tipo especial.
Edu: Nem discuto que o cara, eventualmente, precise enfrentar os constrangimentos envolvendo a mídia. Isso é próprio do futebol, é tarefa inglória tentar escapar. Mas acho que o sujeito deve se preparar para que isso não seja a principal razão da sua existência. No caso da maioria dos técnicos brasileiros de ponta é algo entre deslumbramento e falta de humildade (ou excesso de soberba), ou as duas coisas. O cara não enxerga que precisa de uma qualificação, precisa às vezes tirar um tempo para se capacitar melhor. Alguns parecem viver em um universo paralelo.
Carles: Principalmente porque os dirigentes, tão ou menos preparados, continuam dando preferência ao treinador domador de vestiários, o capataz. O fato também deve estar relacionado com a forma como os jogadores são tratados desde cedo, muito mimados e caprichosos. Parece que sempre precisam de um paizão para estabelecer limites e recordar as suas obrigações profissionais.
Edu: O técnico pode até ter algumas dessas características, ser um bom gestor de vestiário, mas nunca será reconhecido de verdade só porque é um paizão. Precisa conhecer futebol, administrar pessoas e formar times. Sem histeria.
Carles: E qual seria então seu modelo ideal? Ou pelo menos, aquele que mais se aproximou desse modelo?
Edu: Acho os tipos como Pellegrini modelos bem próximos do ideal, quanto à mescla entre conhecimento e capacidade de liderança. Mas no caso do chileno às vezes falta algo de experiência, talvez um pouco de acidez, maldade mesmo para peitar os dirigentes, o que considero que o Bielsa tem de sobra. A Itália tem alguns caras discretos, especialistas e trabalhadores, mas do jeito deles - como o nada maleável Marcelo Lippi. Por aqui, gosto do Abel e do Tite, mas também há o Paulo Autuori, um cara com estilo parecido com o do chileno. E também acho excelente o Oscar Tabarez, do Uruguai.
Carles: Nada mal. Boa lista. Acho que a grande diferença entre Pellegrini e Bielsa está no nível de paixão ou como esta interfere no trabalho diário de cada um deles. Parece que "el loco" é exageradamente entregue à causa. Muito mais próximo ao amadorismo que ao profissionalismo. É uma avis rara.
Edu: O futebol precisa muito ainda desses caras, essa é a verdade. Por aqui, os ‘locos’ são de outra espécie...

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