Edu:
Acompanhei relativamente de perto a trajetória do Manuel Pellegrini, que acaba
de levar mais um pequeno, o Málaga, para uma fase madura da Champions, como fez
com o Villareal há alguns anos. Vendo o jeito como ele trabalha, as pressões
que enfrentou - inclusive no fracassado período de Real Madrid - fico ainda
mais impressionado com a falta de qualificação dos treinadores brasileiros.
Carles:
Na verdade, eu não considero que tenha sido um fracasso a passagem dele pelo
Real Madrid, obteve alguns muito bons resultados, recorde de pontos para o
clube na Liga mesmo não sendo campeão. Se tivessem lhe dado as mesmas chances
que deram ao Mourinho, estou convencido de que teria ganhado algum título mais
que o português. Saiu humilhado do clube depois de fazer um trabalho
respeitável, como já tinha acontecido com o Del Bosque. Coisas de ‘la casa
blanca’.
Edu:
Visivelmente ele não estava cômodo por lá e estamos falando de um tipo de
técnico que precisa de um tempo para estabelecer padrões. Sem resultados em
Chamartín, não rolou. Mas me admira a forma como ele enfrenta essas situações,
longe da histeria cosmética própria dos estrelões - Mourinho, Ferguson e Rafa Benitez por aí, Luxemburgo, Dunga, Leão por aqui,
para citar os exemplos mais gritantes. É um cara de métodos, mas conhecedor da
maleabilidade que o futebol precisa. E sempre dá a impressão de que tem toda a
confiança dos jogadores.
Carles:
Sabe que o apelido dele é "El ingeniero" né? Bom, basicamente por que
foi o que ele estudou no Chile. Mas está claro que ele é pragmático como um
engenheiro e convive bem com o ambiente futebolístico, como velho boleiro que
é. É um cara extremamente educado. Quando ele foi para o Málaga e sendo o
Mourinho já seu substituto no Madrid, o luso simpático disse que nunca
treinaria um Málaga, insinuando que seria um prêmio de consolação menor para o
demitido. Pellegrini respondeu elegantemente, sem entrar na briga e não dando
uma oportunidade midiática ao time de marketing de Mourinho. Será uma ironia se
o Málaga desclassificar o Madrid na Champions, este ano.
Edu:
Essa disputa entre egocêntricos e pragmáticos, transportada para cá, poderia
revelar o enfrentamento desses que citei acima e dos caras que estão neste momento
há mais tempo nos clubes que vêm apresentando os melhores resultados no Brasil:
Abel no Flu, Cuca no Atlético Mineiro e Tite no Corinthians. Não que não sejam
midiáticos, mas não fazem disso o motor de sua inspiração. E são extremamente
trabalhadores, no sentido de dedicar-se à concepção e arquitetura dos seus
times. Tem também o Muricy, que está há bastante tempo no Santos, mas é tão
irregular para se enquadrar em algum padrão de qualificação que não entra neste
debate.
Carles:
É, tem os que não vivem dos meios, da polêmica, mas que não recusam uma
oportunidade para aparecer na TV. No caso do chileno, parece que ele sente-se
incômodo com os focos. Outra vertente por aqui é o Bielsa, argentino treinador
do Athletic de Bilbao, que dá as conferências de imprensa olhando para baixo.
Em nenhum momento olha para a câmera ou para os jornalistas. Realmente, outro
tipo especial.
Edu:
Nem discuto que o cara, eventualmente, precise enfrentar os constrangimentos
envolvendo a mídia. Isso é próprio do futebol, é tarefa inglória tentar
escapar. Mas acho que o sujeito deve se preparar para que isso não seja a
principal razão da sua existência. No caso da maioria dos técnicos brasileiros
de ponta é algo entre deslumbramento e falta de humildade (ou excesso de
soberba), ou as duas coisas. O cara não enxerga que precisa de uma
qualificação, precisa às vezes tirar um tempo para se capacitar melhor. Alguns
parecem viver em um universo paralelo.
Carles:
Principalmente porque os dirigentes, tão ou menos preparados, continuam dando
preferência ao treinador domador de vestiários, o capataz. O fato também deve estar
relacionado com a forma como os jogadores são tratados desde cedo, muito
mimados e caprichosos. Parece que sempre precisam de um paizão para estabelecer
limites e recordar as suas obrigações profissionais.
Edu:
O técnico pode até ter algumas dessas características, ser um bom gestor de
vestiário, mas nunca será reconhecido de verdade só porque é um paizão. Precisa
conhecer futebol, administrar pessoas e formar times. Sem histeria.
Carles:
E qual seria então seu modelo ideal? Ou pelo menos, aquele que mais se
aproximou desse modelo?
Edu:
Acho os tipos como Pellegrini modelos bem próximos do ideal, quanto à mescla
entre conhecimento e capacidade de liderança. Mas no caso do chileno às vezes
falta algo de experiência, talvez um pouco de acidez, maldade mesmo para peitar
os dirigentes, o que considero que o Bielsa tem de sobra. A Itália tem alguns
caras discretos, especialistas e trabalhadores, mas do jeito deles - como o
nada maleável Marcelo Lippi. Por aqui, gosto do Abel e do Tite, mas também há o
Paulo Autuori, um cara com estilo parecido com o do chileno. E também acho
excelente o Oscar Tabarez, do Uruguai.
Carles:
Nada mal. Boa lista. Acho que a grande diferença entre Pellegrini e Bielsa está
no nível de paixão ou como esta interfere no trabalho diário de cada um deles.
Parece que "el loco" é exageradamente entregue à causa. Muito mais
próximo ao amadorismo que ao profissionalismo. É uma avis rara.
Edu:
O futebol precisa muito ainda desses caras, essa é a verdade. Por aqui, os
‘locos’ são de outra espécie...
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