domingo, 7 de abril de 2013

Como fazer da entressafra uma boa limonada


Edu: O jogo em si foi tecnicamente desprezível. Foi só a melhor forma de arrecadar um dinheiro para a família do garoto morto naquele jogo do Corinthians em Oruro. Por isso foi fácil fazer 4 a 0 na Bolívia, que normalmente já não é um adversário significativo, ainda mais quando está sem interesse. Mas o que aconteceu ontem colocou ainda mais lenha na grande discussão deste momento no futebol brasileiro: temos uma entressafra grave, não há craques desequilibrantes, apesar de alguns vários bons jogadores. O que será da Copa?
Carles: Uma coisa eu notei, talvez pela fragilidade do adversário ou que obviamente por se tratar de uma causa benéfica, não se escolheu uma grande altitude para jogar, houve fluidez no jogo da Seleção Brasileira e a vontade que eu não vi nos jogadores que são convocados da Europa. É possível que não só o cansaço das viagens, mas o desgaste das ligas europeias deixe-nos sempre uma falsa impressão. Se os chamados craques jogassem aí talvez a coisa fosse diferente com a presença deles?
Edu: Aí que está o motivo da preocupação: quem são esses craques? Ok, há um superzagueiro, Thiago Silva, bons laterais, Dani e Marcelo, um ou outro meia atacante, como Oscar e Neymar, eventualmente Kaká. Mas que Brasil é esse? Tem personalidade de campeão? Tem um pequeno grupo de boleiros de estirpe que nas horas difíceis dizem 'vamos lá que esse negócio é com a gente', como sempre teve em outros títulos? Não, não tem, é a realidade seca.
Carles: A dúvida contém um componente de prepotência, se me permite. Não é assim tão evidente que esta geração de futebolistas seja tão inferior à campeã de 1994. Depois de um eventual triunfo, tenha certeza, Kaká, Oscar, Ronaldinho poderiam ser Bebeto, e Neymar, muito bem, poderia ser o Romário. Não há dúvida de que uma Taça na mão deixa no esquecimento essas questões. E nada como uma pré-temporada medíocre para fazer um campeão surpreendente. É provável que a verdadeira preocupação seja com a direção da Seleção? Ou para os brasileiros, título sem um jogo brilhante não vale? Não é assim, né? Nesse caso, teriam que devolver alguns trofeuzinhos…
Edu: Você pinçou justamente o time que, dos cinco títulos mundiais do Brasil, menos craques teve. Ou melhor, a rigor, teve um único craque, Romário, com uma boa assessoria do Bebeto. Era uma entressafra evidente. Nesse momento entra a outra parte cruel da história atual: o esquema tático. Aquela Seleção de 1994 foi uma das poucas na trajetória do futebol brasileiro com esquema minimamente definido e rígido, montado com base naquele material humano limitado. Por isso, era um jogo feio e mesquinho para o nosso gosto. Mas era o sistema objetivo de que se precisava naquele momento. Se, hoje, o time tivesse uma estratégia definida, um desenho que soubesse extrair o máximo desse grupo de jogadores, o Brasil seria uma equipe extremamente competitiva. Não favorita, mas competitiva. Daria uma boa limonada com os limões que existem no momento. Só que está longe disso e não vejo perspectivas.
Carles: Era exatamente essa a intenção da minha pergunta. Uma coisa pode compensar a falta da outra. Mas conquistar um título com um zero a zero e na disputa de pênaltis é suficiente para satisfazer a torcida? Imagino que a Holanda, inventora do "jogo bonito" na Europa, estaria encantada em ganhar um título que fosse, mesmo nessas circunstâncias. Sejamos diretos: você acha que o ‘tándem’ Marin-Scolari chega até a Copa? Não perguntei o que você gostaria que acontecesse, pedi uma previsão.
Edu: Com Marin na CBF, Felipão seguirá até o fim, isso parece claro mesmo no caso de um desastre na Copa das Confederações. Mas a saída de Marin é bem possível se continuar crescendo a pressão extrafutebol em função de sua trajetória pública marcada muita mais pela ascensão à sombra da ditadura do que por suas eventuais ações como político de segunda linha que sempre foi. Sem Marin, entraríamos na aberração de depender de um fracasso na Copa das Confederações, porque o Felipão ainda goza de um certo prestígio com parte da torcida e grande parte da crônica que prefere um amigão no poder em detrimento da competência. Agora, o que eu gostaria que acontecesse você nem precisa perguntar mesmo.
Carles: Ou seja, com Marin e Felipão talvez, sem Ralf e Paulinho, nem pensar?
Edu: Tenho um pouco de pena dos jogadores que atuam nessa região do campo porque é ali que o Felipão concentra sua ira. Como se julga um especialista em volantes, pega direto no pé dos caras. Mas insisto, Carlão: daria para formar um time decente mesmo na entressafra com um técnico mais estudioso e detalhista. No meio de campo por exemplo, tem as opções dos caras que saem bem com a bola - Paulinho, Ramires, Hernanes - e também de gerentões como Ralf, Lucas Leiva, Rômulo, Sandro. Muitas seleções da Europa teriam lugar para esses caras, até o Barça teria, mas dentro de um padrão legal de jogo, com missões claras. Não numa loteria...
Carles: E numa prática honesta. O que, na minha opinião, diferencia a dupla Ralf e Paulinho do resto, além do entrosamento evidente entre ambos, é a honestidade que demonstram.  Ao que parece, existe uma consciência por parte desses dois daquilo que devem fazer, como peças de uma equipe, e eles não têm nenhuma dúvida em se esforçar ao máximo e utilizar todo o seu repertório para fazê-lo. Outros gerentões podem acabar fazendo o papel de contenção razoavelmente, mas no caso do Ralf, nos jogos que vi dele, parece-me plenamente convencido das próprias condições e de como utilizá-las. No caso o Paulinho, nem se fale. Falta a eles, talvez, uma assessoria midiática que outros têm. Mas, pode acreditar, já ouvi jornalistas convencidos de que eles são peças fundamentais para a seleção em transmissões dos meios italianos, mexicanos, argentinos, espanhóis, ingleses… só não parece um consenso no Brasil.
Edu: Boa parte dos críticos especializados sabe disso, os dois têm esse reconhecimento. Mas não basta. E também acho, Carlão, para falar a verdade, que o tipo de marcação dinâmica dos dois tem um perfil muito moderno para os conceitos de quem comanda o time atual. O consolo é que, ao menos, o reconhecimento internacional é um bom indício.
Carles: E, apesar dos Felipões, Parreiras, Marins e outras assombrações, sempre resta o plano B de última hora, a autogestão.
Edu: Quem dera...

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