Carles: No
seu recente artigo “Muy machos” em El País, a jornalista e escritora madrilenha Rosa
Montero, perguntava-se onde estão os jogadores gays do futebol espanhol. A sua
estranheza se relaciona com algo já tão habitual na sociedade e até frequente
no futebol de outros países, como o reconhecimento público de alguns jogadores
da sua homossexualidade, e todavia fato inédito no futebol campeão do mundo. Como
encara esse assunto o país de um certo deputado e pastor?
Edu:
O país onde desgraçadamente calhou de nascer o deputado e pastor, você quis
dizer... Aqui não é muito diferente. São raríssimos os casos de jogadores de
futebol que sugerem até mesmo a existência de homossexualismo no meio em que
vivem. Há dezenas de técnicos, jogadores de divisões de base e mesmo dirigentes
que, em off, falam sobre o assunto e confirmam de forma natural a presença de
homossexuais, como em qualquer outro setor. Mas ninguém dá a cara a tapa em
público. É a mesma hipocrisia de todos os segmentos sociais conservadores.
Carles:
O treinador italiano Marcelo Lippi, por exemplo, declarou que ao longo dos seus
40 anos no futebol, não conheceu ninguém que admitisse qualquer caso de
homossexualismo. Ele pessoalmente, recomenda que cada um mantenha suas opções
sexuais de forma privada, enquanto Del Bosque opina que cada um decida o que fazer.
Mas é obvio que o mundo do futebol não vê com bons olhos que seus componentes
abandonem a imagem tradicionalmente máscula. Assim mesmo, a seleção alemã
predicou com o exemplo e aparentemente manteve a normalidade diante das
manifestação de jogadores como Mario Gomes ou Neuer, favoráveis ao
reconhecimento publico da homossexualidade.
Edu: É
previsível a posição de caras como o Lippi, um tipo de comportamento modélico
no futebol e que tem tudo a ver com suas convicções políticas, sociais, seu
modo de ver a vida. Como o Lippi há milhares no mundo do futebol. Preferem
fechar os olhos para algo que os incomoda muito além da conta. Deve ser assim
na vida dele também. É claro que o mundo do futebol é, em princípio,
homofóbico. Mas acho que é questão de tempo e o caso de Mario Gomes e Neuer
comprova um pouco isso. As torcidas adversárias vão tripudiar, alguns
personagens - como o próprio Lippi - vão se fingir de mortos, mas o caminho é
irreversível. O destino da Humanidade é conviver com a diversidade e ponto
final. Mesmo à custa de muitas cicatrizes.
Carles:
Talvez um espelho em que o futebol brasileiro pudesse se mirar seria o vôlei
que, pelo visto, aceitou com alguma normalidade o reconhecimento público de algumas
das suas estrelas, não?
Edu:
Nem tanta normalidade assim. O primeiro a assumir sua condição, Lilico, gay e
negro, foi velada e gradualmente colocado à margem dos times daqui e conseguiu
reerguer sua carreira jogando no Japão. Michael, jogador do Nosso Clube, um
time do Interior, também foi hostilizado, principalmente em um jogo em Belo
Horizonte, contra o Cruzeiro. Mas, nesse caso, o que aconteceu foi uma pronta
reação da própria comunidade do vôlei - torcida, dirigentes, colegas -, o que
tornou muito mais natural a sequência da carreira dele. Talvez tenha sido esse
o mérito do Lilico, que sofreu as primeiras consequências e desbravou um
caminho. Não sei, sinceramente, se isso ocorreria imediatamente no futebol,
acho que o processo será bem mais lento. Se as torcidas de São Paulo xingam,
hoje, os jogadores do Corinthians de 'assassinos', por causa da morte daquele
torcedor em Oruro, podemos imaginar o que aconteceria a um jogador de ponta de
um grande clube que abrisse sua preferência pela homossexualidade.
Carles:
Segundo o psicólogo esportivo argentino Oscar Mangione, o futebol, como o
exército, são espaços em que não se fala abertamente da questão homossexual por
serem redutos de máxima expressão chauvinista da masculinidade. É evidente que
nesses ambientes também existem gays, mas reconhecê-lo pode significar, aponta
Mangione, a desgraça. Foi assim com Justin Fashanu de origem nigeriana, foi o
primeiro jogador britânico que, nos anos 90, reconheceu publicamente sua homossexualidade.
Após ser alvo de todo tipo de intolerância e acosso acabou no ostracismo da
liga norte-americana até aparecer morto, aparentemente por suicídio. Um preço
muito alto, sobretudo considerando, que inevitavelmente, o que hoje se
considera antinatural pelos “bastiões da moralidade” vai acabar fazendo parte
da normalidade.
Edu:
Na entrevista publicada em Publico.es, sobre a repercussão da afirmação de Rosa
Montero, o técnico e teórico do futebol Juan Manuel Lillo foi bastante claro
sobre o tratamento do assunto entre os 'boleiros': 'A verdade é que é se trata
de um tema que entre nós, treinadores, não costumamos falar muito'. Não existe
melhor definição de falso tabu do que essa.
Carles:
E olha que Lillo é considerado paradigma de modernidade dentro o futebol.
Edu:
O que temos de bom, neste momento, no Brasil é que as reações contra um parlamentar processado por homofobia que se transformou, por uma dessas aberrações periódicas do ambiente de
Brasília, em presidente da Comissão de Direitos Humanos na Câmara, estão
servindo para a promoção de uma atitude social em bloco contra o preconceito de
uma forma geral. Quem dera que o mundo futebol aderisse ao movimento como
fizeram muitos artistas, atores e representantes da área da cultura, das artes
e dos segmentos progressistas da sociedade.
Carles: Se bem que o futebol e o esporte em geral
possam ser considerados reflexos da sociedade, são redutos de conservadorismo.
Contudo, mais cedo ou mais tarde, terão que se adaptar para não permanecer
alheios. Essa adesão é sempre importante para o resto da sociedade, pelo peso e
pela capacidade de promoção.
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