Carles:
Não sei se é impressão minha mas o Corinthians é, de uns tempos para cá, o
clube brasileiro que mais presta atenção nas iniciativas de clubes europeus.
Timidamente, Edu Gaspar é o Butragueño, o Zubizarreta, o Valdano, o Rummenigge
ou o Di Stefano, ex-jogadores que hoje representam os interesses do clube.
Alguns com maior poder executivo que outros, mas nenhum deles provavelmente
estaria aí se não tivesse estado no campo, antes. É assim também com o Edu?
Tem outros casos semelhantes por aí?
Edu:
Pode ter sido uma coincidência, porque Edu Gaspar chegou ao cargo num momento
de reforma de ideias dentro do Corinthians e provavelmente as coisas tivessem
dado certo com ou sem ele. Mas é um caso raro no Brasil de ex-jogador, com
experiência em diferentes clubes da Europa, que assume uma posição
intermediária na gestão do time, uma espécie de 'facilitador', que sabe dos
problemas do vestiário, mas tem sensibilidade para tratar com a direção. A
maioria dos ex-jogadores daqui com vivência internacional quer mesmo é se
tornar técnico ou comentarista. Acaso ou não, o fato é que Edu funcionou,
ajudou muito na reforma do Corinthians por sua capacidade e também por conhecer
demais as entranhas do clube, onde ele nasceu para o futebol.
Carles:
Pelo que você está me contando, ele é um pioneiro. O cargo que ocupa é o de
gerente, suponho. Por aqui é um cargo especializado, menos político que, por
exemplo, o de Diretor de Futebol. Pelo menos na teoria, deve ser ocupado por
profissionais com conhecimento e experiência suficiente e comprovada no
futebol, além de capacidade de gestão. Gestão de material humano. Longe de ser
um cargo burocrático. Provavelmente o Edu aproveitou a vivência dele na Europa.
Por outro lado, é um erro pensar que um passado dentro de campo seja suficiente
para ocupar o cargo. Di Stefano, por exemplo, no Madrid, nunca passou de um
monumento vivo, é o presidente honorário e o único que se lhe exige é
representar e desfilar um passado de glórias.
Edu:
Digamos que Edu é pioneiro entre os bem sucedidos. Houve duas recentes
experiências parecidas que não foram adiante. Uma com o Fernandão, no Inter de
Porto Alegre, que começou como gerente e, depois, não deu certo porque virou
técnico e ficou mais exposto. A mesma coisa aconteceu com o Cristóvam no Vasco,
se bem que, antes de virar técnico e ser defenestrado, ele foi auxiliar do
Ricardo Gomes e não gerente. Das experiências anteriores, o maior fracasso foi
mesmo o de Zico, que nunca comungou com os desmandos no Flamengo e por isso não
deu certo no cargo. Talvez o Flamengo tenha pensado nele com uma espécie de
figura retórica, parecida com a do Di Stefano no Madrid, mas Zico não topou...
E é preciso lembrar também do César Sampaio, que esteve no Palmeiras que foi
rebaixado. No caso do Edu, não sei como foi a passagem dele pelo Valencia, mas
os ensinamentos principais ele trouxe dos quatro anos em que conviveu com
Arséne Wenger, no Arsenal. Esse tempo deu a ele uma visão bastante prática da
área administrativa.
Carles: Ele
viveu no Valencia o início do fim (do próprio Valencia, quero dizer), uma fase
conturbada. Mas sabe como é a desconstrução - é um eficaz método de observação
e aprendizado. O Arsenal, em que pese a falta de competitividade das recentes
temporadas, sem dúvida, é uma escola de como administrar um clube.
Edu:
O que importa é que conviveu com outra realidade nessa questão da importância
dos 'facilitadores'. Nos países que dominam o futebol europeu, o cargo de
gerente, ou que nome for, tem essa relevância e acolhe ex-jogadores com uma
formação pessoal acima da média e que, espertamente, preferem abrir mão dessa
história de ser treinador, que aqui ainda é mais que um senso comum, é um
obsessão. Há outros cargos efetivos nos clubes e o cara que se destaca tem sempre
muito o que fazer. Txiki Begiristain fez um trabalho profícuo no Barça, algo
próximo mesmo a um diretor de recursos humanos voltado apenas para o futebol,
tanto que foi exportado para o City. E Valdano fazia mais ou menos isso em
Madrid até trombar com o lusitano.
Carles:
Valdano às vezes me dá nos nervos, mas tenho que reconhecer a sua valia e
inteligência. Foi a primeira vítima do "rei sol" no Madrid e por
isso, pego de surpresa, não teve nem chance de se defender. Acho que a gestão
no clube só perdeu. Ganhou Jorge, que comenta o futebol espanhol com absoluta
distância, desde seu retiro espiritual, em companhia da mãe, na sua natal
"Las Parejas". Outro nome a destacar nesse trabalho, talvez o mais
brilhante durante um bom tempo, é o de Monchi, ex-goleiro e que foi o principal
responsável por montar o Sevilla ganhador de Palop, Sérgio Ramos, Dani Alves,
Adriano, Renato, Kanouté e Luis Fabiano. Grandes craques comprados por
bagatelas e alguns vendidos a peso de ouro. O mais importante, contudo, foi a
satisfação da torcida em poder ver jogar aquele time.
Edu:
É bom ressaltar figuras discretas e trabalhadoras como Monchi, para que não nos
enganemos com outras mais reluzentes. Por exemplo: Leonardo. Não discuto o
preparo do Leonardo, seu poder de comunicação, sua inteligência. E suponho que
seja um ótimo caráter. Mas, como dirigente, é um produto totalmente artificial.
Parece que está ali só porque é poliglota. Quando vivia na sombra, no Milan,
antes de se tornar técnico, tinha uma função muito mais útil. Mas agora só
funciona com ribalta, com o apoio de grandes craques. E, claro, com o
supersalário das arábias que tem no PSG. No fundo, está na dele.
Carles:
Mas a Europa glamourosa valoriza muito essas figuras, poliglotas, com aparência
eternamente jovial e no fundo rançosas. É a Europa dos Grimaldi. A do Big
Brother que adora ver o Leonardo pedir a namorada jornalista em casamento
durante o programa que ela comanda. E, pelo visto, ele sabe muito bem fazer
esse papel.
Edu:
Para dizer a verdade, Carlão, ele sempre foi um cara que gostou disso. Mesmo
quando jogador tinha essa postura de ‘o articulado do time’. Insisto: Leonardo
está na dele.
Carles: Pois vida longa aos Edu Gaspar e similares,
então, para o bem do futebol. E que venham mais. Porque o Monchi, tenho sentido,
ultimamente está desanimado e meio encostado (não necessariamente nessa ordem).
Talvez queimado na fogueira das vaidades do chefe, José Maria del Nido,
presidente do Sevilla, um frequente inconformado com o êxito alheio.
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