Edu:
Há alguns dias esteve em São Paulo Paul Breitner, um histórico do futebol
alemão, campeão do mundo em 1974. Com uma boa dose de arrogância ele afirmou
nas várias entrevistas que concedeu por aqui que o trabalho de formação de
jogadores na Alemanha estava em um patamar muito superior ao da maioria dos
grandes centros europeus. Disse também que o saneamento de alguns clubes, entre
eles o Dortmund, era motivo de orgulho para o país. Hoje vimos: não era
arrogância.
Carles:
Era arrogância, sim. Porque o futebol, como tudo na Alemanha, sofre com as
políticas austeras e conservadoras que arrasam os direitos sociais na Europa e
que chegam justamente num gentil oferecimento do governo Merkel. Outra coisa é
que apesar do preço social que se paga, o que o ex-lateral do Madrid contou
seja uma verdade como um templo. Já faz tempo que os salários dos operários
alemães sofreram um arrocho tremendo (incluindo os critérios de aposentadoria e
o seguro desemprego) e, segura de que está certa, ‘fraulein’ Angela pressiona o
resto dos países a seguirem sua política. Esclarecida a fanfarronada alemã, o
Borussia mostrou que realmente fez uma política sensacional na formação dos
seus craques. Se bem que o espírito imperialista demonstra também sua voraz “autofagia”,
sobretudo se forem confirmadas as transferências de Götze e Lewandowski para o
todo-poderoso Bayern. Outro detalhe é que o futebol alemão não está isento de
barbaridades como a de o Borussia pagar 17 milhões de euros por um jogador
formado nas suas categorias de base como foi o caso de Marco Reus.
Edu: Breitner
certamente não estava falando do governo Merkel, muito menos do arrocho social
do país. Aliás, esquivou-se o tempo todo de questões sociopolíticas porque,
imagino, não teria sólidos argumentos, governista que é. Estava mais se
referindo ao papel que o futebol tem exercido hoje para a juventude alemã, no
que, sinceramente, acredito. Quanto às distorções, que você chama de autofagia,
está longe de ser privilégio alemão. Acho até que o Dortmund, que gastou menos
do que o preço do Pepe para montar o time inteiro, já previa essa debandada de
alguns craques em troca de muitos milhões de euros. Para um time que há seis ou
sete anos estava falido, não está nada mal.
Carles: Só
que é impossível desvincular a situação social e econômica do futebol
profissional. Mas falemos do jogo, 4 a 1, e se o talentoso time do Burussia não
tivesse passado a maior parte do primeiro tempo fazendo a bola cruzar os céus
de Dortmund, algo que não entendi quando ganhava desde o oitavo minuto, o
Madrid provavelmente teria sofrido uma derrota histórica. E falando em Pepe,
desastrosa partida do central.
Edu:
Vamos falar de situação social e econômica, sim, porque esse Borussia é o time
mais socializado da Alemanha, foi a torcida que o salvou da bancarrota. A
rigor, é um pequeno que deu certo por causa do apoio popular. Dortmund é uma
cidade de meio milhão de habitantes, um tanto relegada economicamente,
inclusive. Talvez a gente não tenha ideia neste momento da dimensão do
resultado, porque acabou de acontecer. Mas numa perspectiva histórica o modesto
derrubou o bilionário todo-poderoso. É muito diferente do duelo de gigantes da
véspera que terminou com o Barça nocauteado.
Carles:
Sem dúvida, é o mais popular da Alemanha. Dizem que o seu estádio é o mais
ruidoso da Europa, sua torcida é incansável e praticamente foi ela que empurrou
aquela bola contra o Málaga que levou o time à semifinal. Agora, ponha-se no
lugar do torcedor local ao ver o sensacional time de cuja montagem ele também se
sente responsável começar a ser desmontado pela força do talão de cheques que
chega de Munique… Do ponto de vista neoliberal, perfeito, gastar menos do que o
custo de Pepe e vender só o Götze por 35 milhões. Mas futebol é outra coisa,
sigo convencido. Um aviso ao senhor Uli Hoeness que por certo está sendo
investigado por fraude fiscal: depois dos 4 de hoje, Lewandowski vale o dobro.
Edu:
O torcedor sente, vai esbravejar nos primeiros meses e coitado do Götze quando
voltar lá com a camisa do Bayern. Mas ninguém vai cortar os pulsos por causa
disso e daqui a pouco a 'muralha amarela' elege outro ídolo e pronto. Esses
rancores no futebol de hoje são uma pequena parte do show, não mais do que
isso, e não impedem a coisa de caminhar. Quando fechar a venda dos dois - Götze
e Lewandowski , o Borussia terá feito o maior negócio do futebol europeu nas
últimas temporadas. E a vida vai seguir...
Carles:
Claro, já falamos disso, o garoto Götze tem 20 anos, é profissional e está
absolutamente certo. Mas então também não levemos a proeza de saneamento dos
clubes para o lado heroico e épico. Não tem milagre, é tudo produto de uma
Europa cada vez mais desigual. E isso não tira o mérito dos espetaculares jogos
realizados por Bayern e Borussia. Se chegarem à final, será feita justiça e
isso eu já reconheci aqui faz algumas semanas.
Edu: Não
tem nada de heroico, épico e milagroso no saneamento do Borussia, não sei de
onde você tirou isso. Aliás, nem sei se o time está mesmo saneado – quem falou
foi o Breitner. O que é admirável, isso sim, é que a torcida - que é quem
interessa - abraçou a causa e tirou o clube do buraco. E, sinceramente, deixo
para você fazer a conexão entre a Europa desigual e o Borussia de hoje. A estas
alturas do dia não tenho mais paciência pra isso.
Carles: A
conexão é obvia. A Europa é mais desigual graças à falsa moral propagada pelo
atual governo alemão de que os problemas econômicos do continente se devem ao
esbanjamento e ao consumismo irresponsável dos cidadãos. Provavelmente os
mesmos que pagam ingresso no Santiago Bernabeu ou no Signal Iduna Park, cujos
preços mais altos, por certo, seguem desproporcionais, por volta de 300 euros
na Espanha e de 100 na Alemanha, durante esta fase da Champions. Inexplicável.
Edu:
Ok.
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