sábado, 16 de março de 2013

Ecos da torcida e ‘miedo escénico’


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Carles: O som da torcida ganha jogo?
Edu: Torcida ganha jogo até sem muito som, como a fria moçada de Madrid e às vezes o próprio Camp Nou. Com cânticos, então, é uma maravilha. Se tem uma coisa na simbologia do futebol que não é mito é o 12º jogador.
Carles: Fico lembrando da final de 2005 da Champions League em Istambul, em que um poderoso Milan chegou a estar ganhando por 3 a 0 de um Liverpool bastante normalzinho. Contra todos os prognósticos, os “Reds” empataram o jogo e acabaram levando o título nos pênaltis. Há quem diga que o mito de Anfield Road e os cânticos de "You'll never walk alone" teriam sido decisivos naquela mítica virada.
Edu: Se fizermos um levantamento de quantas viradas vieram a reboque do torcedor certamente vamos nos surpreender. O futebol turco, já que você citou Istambul, é pródigo nisso naqueles clássicos ferozes envolvendo Galatasaray, Besiktas e Fenerbahce. Ali os cânticos são muitas vezes um tanto radicais, mas o jogador sente a pressão. Isso que na Espanha vocês chamam de 'miedo escénico'.
Carles: Durante muito tempo, para os times europeus, não só no futebol mas principalmente no basquete, esse ambiente era muito temido, conhecido como o ‘inferno turco’.  Entretanto, no sorteio desta sexta-feira para os enfrentamentos de quartas de final da Champions, todo mundo ficou torcendo para cair com o Galatasaray. Por aí, ir à ‘Bombonera’ durante muito tempo não era nada doce para os visitantes. Há quem jurasse sentir a torcida xeneize fungando no cangote e gritando ‘ Dale, dale Boca’… Será que 'La Bombonera' também ficou inofensiva?
Edu: Inofensiva nunca, mas muitos times brasileiros desafiaram esse caldeirão nos últimos anos e de certa forma neutralizaram o ‘miedo escénico’ que é uma arma xeneize – foram os casos de Fluminense, Corinthians, São Paulo. Os clubes normalmente capitalizam bem essa cumplicidade com a torcida em seu reduto. O Boca chegou ao ponto de considerar, estupidamente, que o time nem precisava jogar tanto quando recebia alguém em La Bombonera. Isso sim foi definitivamente pulverizado. Por outro lado, alguns clubes muitas vezes sabem usar muito bem como marketing tanto os cânticos quanto o peso específico da torcida. O 'You'll never walk alone’ é uma grife do Liverpool como o 'Aqui tem um bando de loucos' é um selo registrado do Corinthians. Os times mais populares do Rio, Flamengo e Vasco, também capitalizam seus cânticos.
Carles: Falando do bandos de loucos, tem aquela história que quanto mais sofredor, mais vibrante o torcedor, mais barulhenta a massa. O exemplo clássico, durante os tempos de escassez de títulos, a Fiel Torcida cresceu ficando conhecida pela sua entrega. Por aqui, o Atlético de Madrid consagrou a expressão "El pupas" e, coincidência ou não, a sua torcida é reconhecida como a mais fiel da Espanha.
Edu: Mas a turma do 'Atleti' cresceu diante da ditadura dos grandões ou continua funcionando em uns poucos redutos de resistência em Madrid? Porque sofrimento também tem limite né.
Carles: Na verdade o jejum de anos do ‘Atleti’ tem mesmo a ver é com outra ditadura, e não bem futebolística. Uma de verdade, nada metafórica e que, digam o que quiserem, garantiu um apoio extra ao outro time da capital, que tinha um lugar especial no coraçãozinho do generalíssimo. Essa torcida sim valia seu peso em ouro. Torcer para o Atleti era um ato de rebeldia.
Edu: Mas isso acabou há quase 40 anos, Carlão... Ainda que muitas coisas perdurem, inúmeras distorções sociais, não é possível que de lá para cá nada tenha mudado nesse desequilíbrio gigantesco que joga o segundo time da capital num limbo eterno.
Carles: Tanto mudou que eu acho que a torcida ‘colchonera’ vai abarrotar o Santiago Bernabéu no próximo dia 17 de maio, para a final Copa do Rei deste ano. E no time do Cholo resta muito pouco daquele complexo de inferioridade do "pupas".

Um comentário:

Unknown disse...

Existe um teoria bastante aceita entre os ingleses de que, desde que a sua seleção dispõe de um hino oficial, não ganha nada. Em 1966 não havia um hino oficial, mas é bem provável que existam outros motivos. Em 2010, Capello decidiu: nada de hinos, mas o post-punk Mark E. Smith e sua banda The Fall lançou o anti-hino "England's Heartbeat" = http://www.youtube.com/watch?v=fhLG-vZhF6o, não oficial, debochado, ácido e paródico. Nem assim. Depois do 4 a 1 da Alemanha, gol legítimo de Lampard que não subiu ao placar incluído, de volta para casa.