Edu: Quando
o futebol não era como a NBA, com aqueles números estapafúrdios. E os símbolos
eram mais marcantes. Quem sabe hoje qual é o número do Beckham no PSG ou do Ronaldinho
Gaúcho no Atlético Mineiro?
Carles: Imagine
a felicidade da equipe de marketing que, de repente e por um capricho de
alguém, teve que mudar tudo referente aos produtos CR9 a CR7. Claro, quando
Cristiano Ronaldo chegou ao Real Madrid a camisa 7 tinha dono.
Edu: Raulzito.
Carles: Isso.
E tem a célebre 8+1 do Ivan Zamorano na Inter de Milão para que o Ronaldo
pudesse luzir a 9, exigência da marca esportiva que controlava a imagem do
Fenômeno.
Edu: Isso
mesmo, o Ronaldo chegou à Inter depois do chileno, usou a 10 na primeira
temporada e, na segunda, passou a vestir a 9. Zamorano, que era muito amigo do
ex-gordo, usou uma camisa com o número 8 e um '+ 1' com
o sinal de + bem pequeno. Para todos os efeitos era 81. Os próprios jogadores,
até um bom tempo atrás, tinham essa afeição ao número. Era um resquício da
infância e dos velhos símbolos. O 8 era o cara equilibrado, o sensato do time.
O 5 funcionava como um esteio familiar, uma âncora. O 9 era o moleque, que
tinha direito a ser irresponsável de vez em quando. E o 10.... bom, o 10 nem
precisa dizer.
Carles: O
peso da camisa 10 vigora?
Edu: Em
alguns lugares, como o Brasil, ainda vigora, sim. Ainda temos grande
concorrência pela 10. Na Argentina também. Messi, que começou com outra camisa,
assumiu a 10 depois da saída do Gaúcho do Barça. Mas em outros lugares o peso é
diferente. Na Seleção Espanhola, quem é o 10?
Carles: Mas
foi alguém sem perfil de 10 que aceitou assumir o peso da sucessão de Dieguito
na ‘albiceleste’, o tosco Cholo Simeone. "Con un par!"
Edu: Mas,
logo, isso foi retomado porque o apelo simbólico falou mais alto. E tem também
que as entressafras acontecem e o Cholo, como tem aquela personalidade um tanto
espaçosa, se fez de dono da 10 em um período de vacas magras. O Brasil mesmo já
disputou uma Copa do Mundo (em 90) com o Silas ostentando a 10. Sim, o Silas,
aquele que passava boa parte do tempo rezando. Boa gente, bom rapaz, mas com a
10 não dá né.
Carles: Curioso
é que, por aqui, a numeração segue os jogadores lá por onde eles vão, por questões
comerciais. Apesar disso, ato falho, os narradores seguem usando expressões do
tipo: "apareció libre por el carril del 8", referindo-se ao corredor
ocupado pelo antigo meia direita, por exemplo.
Edu: A
força da tradição.
Carles: E
da emoção… A morte de dois jogadores da Liga desencadeou homenagens
relacionadas com o número das suas camisetas. No minuto 16 de cada jogo do
Sevilha, a torcida começa a aplaudir em uníssono para recordar o ‘dorsal’ do
seu lateral esquerdo Antonio Puerta, morto em 2007. O Espanyol de Barcelona
batizou o portão de acesso de número 21 do seu estádio com o nome do seu
capitão Dani Jarque, que morreu em 2009 durante a pré-temporada. No Sevilha, o
número 16 está sempre reservado para um jovem jogador da base e o Espanyol
decidiu retirar a camisa 21.
Edu: Então,
os significados variam de país para país, se bem que há influências históricas.
Obviamente que os ingleses, que têm um certo carinho pelo número 10, são
influenciados pela “Era Pelé”, e não poderia ser diferente porque sempre o Rei
foi muito cultuado por ali, ainda mais por ser a contraface do Maradona, que os
britânicos odeiam. Mas os alemães nem tanto. O cérebro do time alemão, Özil,
joga com a 8. E os italianos também não são tão fissurados pela 10. O jogador
mais 'brasileiro' da história da Itália, Roberto Baggio, jogou muito tempo com
a 8, apesar de ter usado também a 7 e a 10.
Carles: Falando
em seleções, a Argentina de Videla, em 78, acabou distribuindo a numeração das
camisas seguindo a ordem alfabética dos sobrenomes. O goleiro Pato Fillol jogou
com a 5, mas, coincidência ou não, Kempes recebeu a 10, número que eternizou na
memória dos valencianistas, apesar de ter começado com a 9 no clube 'che'. E
Osvaldo Ardiles, se não me falha a memória, era o 2. Talvez o mais chocante
tenha sido ver que os goleiros
deixaram de ser obrigatoriamente o 1, como Vitor Baia que vestia a 99.
Edu: E
o goleiro da Laranja Mecânica, em 74? Era o 8, Jan Jongbloed.
Carles: Acho
que aquela numeração da Holanda fazia parte da estratégia de rotação e despiste
da marcação. Ou é muita paranoia?
Edu: Pode
até ser. Se bem que aquele time era todo original, heterodoxo, e os jogadores,
muito desencanados. Acho que não tinham essa preocupação. Exceto o Cruyff, que
escolheu uma camisa que nunca emplacou pelos lados de cá, a número 14.
Carles: No
Barça, existe uma simbologia de liderança e organização relacionada com a
camiseta número 4 de Pep Guardiola, só que hoje quem usa é o seu amigo Francesc
Fàbregas.
Edu: Que,
aliás, é o 10 da Roja... Sem mais comentários.
Carles: A
10 caiu no colo dele, posso garantir. Na Roja não tem tanta importância. A 7 é
mais importante.
Edu: Acredito.
Mas é, de longe, a maior ofensa à 10 desde Silas.
Um comentário:
Mais numerologia. Na Alemanha, Rummenigge era 11, Beckenbauer, o 5 e Mathäus, o 10. Se a miopía não tivesse permitido que Pelé disputasse a Copa de 1970, o 8 de Gérson ou o 11 de Rivelino teriam arrebatado algo de tradição ao número 10 no Brasil? O formato do número 7, semelhante a uma seta está associado à velocidade? Histórias sobre a sorte ou o azar do 13…
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