Edu:
Quando um jogo, como este de hoje, apresenta tanta diferença técnica entre uma
equipe e outra, as razões da derrota em si ficam praticamente em segundo plano.
Foi uma passagem de tempo, uma materialização de uma nova realidade. Estamos no
tempo dos alemães. Mas, dentre os muitos motivos para o Barça mergulhar num
período de depressão - talvez arrastando consigo o Real Madrid -, um não me
passou despercebido e quem sabe você, como quase catalão, tenha uma explicação,
dessas que convocam o espírito ‘culé’. Quando o barco estava afundando, o time
humilhado em campo, o técnico tira seus dois símbolos, Xavi e Iniesta, para
preservá-los do que viria até o fim do jogo. O resto do time que se lixe, o que
importa é preservar os emblemas.
Carles:
É esporte de alta competição, praticado por profissionais, a vida continua. As
paixões devem ficar na arquibancada. Com todo respeito, “o barco afundar” é só uma
metáfora, ninguém ia se afogar realmente. Acho que os jogadores do Barcelona
entraram preparados para não acelerar desnecessariamente. Se saísse um ou dois
gols, provavelmente entraria Messi e começaria outra partida, sacrifícios
incluídos. Talvez os três gols de hoje sejam um castigo severo demais. Sem
dúvida, o Bayern é legítimo vencedor. Tanto Bayern como Borussia demonstraram
sua força, só proponho deixar passar uns meses para ver se essa hegemonia se
confirma.
Edu:
Você não me respondeu provavelmente porque também não tenha uma explicação que
não seja essa da 'preservação'. Vou perguntar de forma mais direta: qual a
intenção de tirar Xavi e Iniesta?
Carles:
O time está esgotado fisicamente, baleado mesmo. Começa uma fase de recuperação
física, psicológica e, provavelmente, técnica e tática. A transição é
inevitável. Transição, não ruptura. Quanto mais fortes estiverem os que têm que
passar o bastão, melhor para os herdeiros. Você não preservaria as figuras, os
símbolos, nesse contexto?
Edu:
É um código moral esse que, dentro do futebol, me provoca uma certa repulsa.
Deixar as estrelas de fora e colocar nas horas podres o 'resto'? Não, eu não
preservaria. E se fosse jogador faria questão de ficar até o final. Claro que
esse não é o perfil dos dois bons moços, mas o técnico patrocinou um código de
conduta que diminui os colegas e, por tabela, também deixa menos nobre a
história dos dois que saíram. Esgotamento físico no momento de decidir uma
Champions não me convence, Carlão. Lesões, pode ser. E também não venha me
dizer que os caras não queriam ‘acelerar desnecessariamente’. Por favor... A
torcida sabia disso? A grande comunidade ‘culé’ tinha consciência disso? Então
foi tudo uma encenação?
Carles: Continuo
achando que seu raciocínio parte de princípios morais que não fazem parte desse
jogo, não existe humilhação. São decisões objetivas e práticas. Mesmo assim, eu
devolvo a pergunta: para que deixar o Xavi sem condições físicas em campo? Para
que manter o Iniesta, sempre sujeito a lesões musculares em campo, para tentar
fazer seis gols em 20 minutos num adversário superior? Com que objetivo, para
demonstrar o quê? Heroicidade? Épica? Para ser os últimos a abandonar o barco?
Não tem sentido. Não estou dizendo que eu os substituiria, mas tampouco me
parece esse absurdo todo a decisão de retirá-los. Repito, era um jogo de
futebol profissional, não estava em jogo a honra de nenhum povo ou cultura.
Piqué disse ao final: diante de tamanha superioridade do adversário só podemos
felicitá-los. Prefiro destacar a evolução do jovem Bartra ou o desempenho não
tão ruim de Song. Prefiro perguntar se vai haver mesmo projeto de continuidade,
se o ‘capone’ Rossel vai conseguir dar seu golpe de estado, se Neymar vem
mesmo. Já disse uma vez e repito: a torcida ‘culé’ não é tonta, é difícil de
enganar com simples jogo de cena.
Edu:
É um jeito de enfrentar a situação, depois de uma tunda dessas. Mas obviamente
que não foi preservação física. Fosse assim, Xavi não teria jogado no fim de
semana passado numa Liga que já está decidida, quando, aliás, Messi jogou e
deve ter agravado ali a sua contusão. Espero mesmo que a torcida não se
engane... E sobre épica e outros temas ligados à honra, nessas horas não vale
aquela história de o Barça ser 'mais que um clube'?
Carles:
A torcida blaugrana, garanto que não. Ninguém está feliz com a situação, foram
cinco anos de gozo total. Existe a consciência de que esse domínio está baseado
no trabalho, na competência que alguém poderia arrebatar, trabalhando mais
duro, calcando algumas coisas e melhorando quase tudo. Aí está o Bayern. É a
prova viva e que o Barcelona marcou mais uma vez a história e a evolução do
futebol. O Barça foi engolido pelo monstro que ele mesmo criou, só que
fortalecido, física e tecnicamente. Se houver um projeto de futuro nesse Barça,
tem que começar por reaprender. Começando pela humildade que, pelo menos da
boca para fora, demonstraram seus jogadores para enfrentar o que você chama de
humilhação. Não tem épica. Em nenhum momento falei que houve ou devesse haver
épica ou heroicidade. Ao contrário. É profissionalismo.
Edu:
Sim, sim, nesse caso é mero profissionalismo, mas no momento de soar o hino e
outros cânticos da terra - numa legítima demonstração política, diga-se –, aí é
em nome da 'honra catalã'. Mas tudo bem, aceito o argumento pós-derrota. E se
perder de 7 a 0 em dois jogos não é humilhação técnica, o que é então? Não
estou dizendo que a Catalunha sai deprimida e subjugada, não se sinta ofendido,
e sim que a superioridade esportiva nesse confronto foi humilhante, arrasadora.
E isso você sabe que foi.
Carles:
Creio que você está pondo um discurso na boca dos catalães que nunca fizeram.
Talvez seja a imagem que interessa dar desse território, mas, creia-me, não é
essa a realidade. Existe um orgulho sim, mas existe também o orgulho de ter
espírito esportivo. De saber ganhar e saber perder. Se não fosse assim, como
teriam sido assimiladas todas as derrotas impostas pelo franquismo, pelas
injustas políticas centralistas? Pode estar certo que existe interesse em que
as reivindicações catalãs sempre tenham uma imagem de soberba e prepotência que
não é real. Um interesse em criar uma imagem pouco simpática. Da minha parte,
considero que se mais povos fossem firmes nas suas convicções, estaríamos
chorando menos injustiças. Mas pensei que o assunto fosse os dois chocolates
alemães que o Barça tomou e não a história dos meus ancestrais por parte de avó
paterna.
Edu:
Apelou né Carlão... Nem leu direito o que escrevi logo acima - de que acho
legítimas as manifestações, que sempre achei, aliás. E em nenhum momento falei
em falta de esportividade. Ao contrário, o Barça, no auge do baile, não deu
nenhum pontapé, soube perder. Mas entendo... Quando passar a sua ressaca moral
talvez você compreenda minha posição um pouco melhor. Ou pelo menos aceite, sem
partir para os argumentos que evocam o franquismo, como se eu estivesse do
outro lado. Convenhamos... Prometo encerrar a conversa aqui, de minha parte.
Carles: Entendo que possa parecer apelação, mas se a
questão é entender o caráter catalão e outros do território espanhol, sinto
muito, mas falar do franquismo é inevitável, já que condicionou o passado desses
povos e consequentemente o presente. Agora, vai me perdoar, como sou meio
catalão e meio paulistano, vou direto para La Bombonera. Até amanhã quando,
espero, falemos de resultados positivos.
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