domingo, 12 de maio de 2013

Quando o segundo é um espelho do primeiro


Edu: Flavio Teixeira, exceto por duas tentativas bissextas, fez toda sua carreira de mais de 30 anos como assistente técnico, essa função que vocês chamam de 'segundo entrenador', como foi Tito Vilanova de Guardiola, como Aitor Karanka é de Mourinho. Flávio Teixeira está outra vez na Seleção Brasileira, trata-se de o famoso Murtosa, que acompanhou Felipão a vida inteira. Hoje, mais do que nunca, acho que os 'segundos' acrescentam pouquíssima coisa aos 'primeiros', ao menos na realidade brasileira. Funcionam mais como um confessionário para o titular do que outra coisa. Estão ali para ouvir desabafos e pouco mais que isso.
Carles: Tenho uma opinião pessoal sobre isso. Tudo depende do estilo do primeiro treinador. Uma das qualidades de qualquer líder é saber cercar-se de bons profissionais, inclusive com os que possa aprender e a quem possa delegar. Quando esses segundos postos são decorativos, pode escrever, o chefe nem é tão bom e ele sabe disso. O fato de contratar gente incapaz denota insegurança. Ajudei na sua reflexão?
Edu: Claro, se o segundo for mais capaz que o primeiro, está montado o problema, porque técnico de futebol, hoje, é uma diva. É sempre bom lembrar que há uns poucos que não são. Mas os de ponta, quase todos, são superestrelas. Portanto, obviamente o segundo tem que ser um cara submisso, ao menos na hierarquia. Mas obedecer a hierarquia não quer dizer que o sujeito seja anulado pelo chefe. Se uma organização esportiva coloca um cara nessa função - e acho que os salários do Karanka e do Murtosa, por exemplo, não devem ser desprezíveis -, alguma questão técnica eles devem acrescentar. Ou deveriam.
Carles: Durante uma época, alguns clubes espanhóis impunham esse treinador à estrela ou menos estrela que chegasse. Realmente, essa é a condição de Karanka, o homem do clube plantado na comissão original de Mourinho, que tem como principais figuras Rui Faria e Silvino Louro. Esses irão com Mourinho onde for. Já Aitor… quem sabe? O problema é que a contratação de Mourinho é uma decisão pessoal de Florentino Pérez e Karanka levou às últimas consequências a proteção ao luso e agora nem tem clima para seguir convivendo com o plantel. O sinergia ideal, para o clube e para eles mesmos, poderíamos dizer, foi o caso Guardiola e Tito. O auxiliar é um cara trabalhador, um estudioso de tática e de jogadas ensaiadas. Pep estava pronto para aguentar toda a tempestade midiática e Tito não demonstra nenhuma vocação para suportar esse tipo de pressão contínua. O ‘tándem’ se desfez e, temo, enfraqueceu assustadoramente seus componentes.
Edu: É a diferença de trabalhar como 'tándem' e como dois estranhos que são obrigados a conviver, como é o caso de Karanka com Mourinho. Karanka logo deve ter percebido que ou se bandeava para o lado do português ou seria atirado pela janela se dó nem piedade. Felipão e Murtosa são um caso típico de 'tándem', mas não quer dizer que o resultado técnico seja profícuo. Murtosa, supõe-se, deve palpitar alguma coisa, mas está ali mais para ser um apoio moral ao Felipão, o cara do desabafo, e que dez em quando pode até dizer 'cuidado com isso' ou 'fulano não está bem no jogo'. Só que, agora, esse sujeito deve ser o Parreira. O 'tándem' virou um trio.
Carles: Há de se reconhecer que essa dupla parece coerente e talvez seja esse o problema. As possíveis qualidades de um não cobrem as deficiências do outro. Provavelmente eles não se complementam porque no fundo saíram da mesma forma. Já Parreira... Não acredito nesse ménage à trois, mesmo. Imagino que foi uma tentativa de dar uma imagem menos grotesca à comissão técnica. Por aqui a figura dele é inexistente nos meios. Realmente ele tem algum papel ativo nessa relação?
Edu: É muito difícil imaginar esses três senhores sexagenários (Parreira, aliás, já é septuagenário) conversando em torno de uma mesa sobre o futuro tático da Seleção Brasileira. São velhacos do futebol, todos já têm suas convicções prontas, desenvolvidas ao longo de décadas. Que oxigênio pode sair dali? Que dinâmica terá essa conversa? Mas, enfim, essa falta de química não impediria que algo funcionasse se a prioridade fosse técnico-tática. Os ingleses têm no segundo treinador um tipo escalado para algumas funções técnicas importantes. O sujeito pode ser um treinador de esquemas defensivos, de jogadas de bolas paradas, de prática de fundamentos. Imagino que devem ser essas, dentro da hierarquia, as atividades mais relevantes de um assistente. Mas não vejo muitos clubes com esse esquema funcionando. Aqui, menos ainda.
Carles: Fergie, de quem falamos o outro dia, só tinha palavras elogiosas a quem fora o seu assistente de muitos anos no Manchester, Carlos Queiroz. Segundo ele, o português teria sido fundamental na história recente do Manchester. Todo mundo viu o que aconteceu quando Queiroz tentou um voo livre. O que quero dizer é que, pelo visto, não só é importante escolher o assessor adequado, mas alguns parece que foram feitos só para isso.
Edu: E Queiroz é um investigador do futebol, um pesquisador, quase um cientista do esporte, fez carreira na Fifa nessa função. Mas não era um líder, revelou não ter o menor traquejo para comandar. Talvez tenha mesmo o perfil de um assistente ideal.
Carles: Quase como o Murtosa, então?
Edu: ...

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