Carles:
Não pude evitar reconhecer a mim mesmo no prólogo que o escritor Javier Marías escreveu para o livro “Cien años azulgranas – Entrevistas a la
sombra del Camp Nou”, de Pere Ferrers,
em que faz referência a lembranças dos tempos de infância e os campeonatos de
futebol de botão que o irmão mais velho organizava no chão da sala. Como ambos
eram torcedores do Real Madrid, Javier era obrigado pelo irmão a jogar com o
Barça e isso, segundo ele, criou um vínculo especial com o clube blaugrana,
diferente à maioria de madridistas que declara ódio eterno ao rival do norte.
Fico pensando na sensação de controle total sobre os ídolos que o futebol de
botão nos outorgava a algumas gerações e que agora se personaliza através dos
videogames. Ainda lembro como eu fazia Dino Sani, Rivelino ou Tales deslizarem
pela mesa da cozinha de casa, ao sabor a minha palheta e me pergunto se apertar
freneticamente os botõezinhos de um joystick, ou como se chame agora, é capaz
de produzir a mesma sinergia das novas gerações com os seus ídolos.
Edu:
A proximidade com os ídolos era, provavelmente, mais autêntica, mas em
compensação a molecada de hoje acumula muito mais informação técnica, coisa que
o próprio game já tem incorporado. Mas como somos dinossauros, fica o consolo
de, para jogar botão naqueles tempos, termos que fazer tudo, inclusive o
barulho da torcida e a narração. Era um teste diário de criatividade. E um
grande prazer, claro.
Carles:
Verdade, o barulho da torcida e a narração, verdadeiros clássicos. Qualidades
próprias de ventríloquos. Você acabou de chamar a minha atenção talvez para a
maior das diferenças, a capacidade de teatralização dos que jogávamos futebol
de botão. Algo do que provavelmente os meninos do game estão sendo privados.
Fico impressionado com a agilidade, com a habilidade deles em realizar
combinações no tecleado para conseguir que os sujeitos da telinha façam jogadas
impressionantes. Mas nada que estimule tanto a imaginação como pensarmos que
uns discos de plástico achatados eram craques estelares e que estávamos num
estádio repleto de torcedores.
Edu:
Provavelmente nos chamariam de 'sem noção' se vissem como era divertido aquilo.
No fundo, éramos mesmo 'sem noção': afinal, para que serve a noção? Até porque,
descontada a tecnologia, era tudo mais ou menos igual. Havia esquema tático,
montava-se times da moda, fazia-se torneios internacionais. A diferença é que
sempre o melhor botão era o artilheiro do time, ou o armador, o ‘10’. E as trocas
eram concretas, físicas. Muitas vezes era possível trocar um ótimo botão por
três não tão bons, ou por um time inteiro meia-boca. O mercado era bem fervido
porque, antes dos botões industrializados, jogava-se com tampinhas de relógio.
Era uma peregrinação mensal aos relojoeiros do bairro atrás de tampinhas
velhas.
Carles:
Hummmm, acho que eu sou menos sem noção do que você. Mas, tranquilo, que eu
explico devagarzinho. Além dos games de jogos e campeonatos propriamente ditos,
existem os que se dedicam à gestão, os Managers,
ou seja, em que se finge ser os megamercadores do planeta futebol. Além da
possibilidade de intercambiar jogadores, existe a obrigação de manter as
finanças do clube saneadas, fazer o time subir de categoria e tudo mais. Quanto
aos botões, os industrializados nunca foram capazes de melhorar o desempenho
das tampas de relógio. O problema é que os processos industriais mudaram a
fabricação das tampas de relógio e em vez da parte de plástico transparente só,
passaram a acoplar argolas de metal, lembra? Foi a primeira crise técnica do
futebol de botão.
Edu:
Pois é, as tampas com argola de metal coincidiram felizmente com a primeira
leva de botões industrializados, o que provocou uma migração em massa para
eles. O que mudou em relação ao tempos dos 'sem noção' foi que não havia mais
aquelas tampinhas 'diferenciadas', passou a valar a habilidade do jogador em
si. Como se todos os carros de Fórmula 1 fossem iguais e o que decidisse fosse
a qualidade dos pilotos. Não deixa de ser um avanço técnico. Mas não culpo a
industrialização por tudo. Não fosse isso, não existiriam ainda hoje
concorridos campeonatos de botões e os muitos craques da mesa, além dos
colecionadores, claro, que se gabam de reunir botões e figurinhas antigas. Esse
legado os videogames não vão afetar, pode estar certo.
Carles:
Se tem uma coisa que os videogames não oferecem é essa possibilidade
igualitária. Os times já vêm diferenciados de fábrica, alguns muitos poderosos
e outros nem tanto, num ranking baseado no recente desempenho de seus
inspiradores, as equipes da vida real. Quem for capaz de ser campeão com um
time médio demonstra que é realmente um craque. Quem sabe, num futuro, o
videogame vai deixar de ser uma mera reprodução para ser uma competição tão ou
mais transcendente que o esporte real. Nesse dia, a única coisa que pode
impedir a escalação de Messi será uma distensão num dos dedões da mão.
Edu:
E tem o problema da identificação, da química entre os times, do sentido de
rivalidade, como ressaltou Javier Marías em seu idílio forçado com o Barça.
Talvez esses ingredientes fiquem cada vez mais em segundo plano para a molecada
com seus games impessoais. Menos para os dinossauros e seus botões. Alguma
vantagem teríamos que ter.
Carles: Sem dúvida. Quando o jogo acabava, guardávamos
todos os craques numa caixa e eles estavam ali sempre, presentes
"fisicamente" à espera de novos campeonatos.
2 comentários:
pauta que acabei “prduzindo” rsrsrs ficou bem legal!
(mais informações para o post aí de cima.... mais o depoimento do jogador....)
http://esportes.r7.com/mais-esportes/noticias/botao-as-pecas-de-acrilico-que-despertam-verdadeiras-paixoes-20110211.html
mais o vídeo...
http://noticias.r7.com/videos/reporter-do-r7-desafia-campeao-de-futebol-de-botao/idmedia/34bdc85cb04c68ceca6a2e82f26b3607.html
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